A semana que começa traz uma prova de fogo para Hugo Motta e para quem ainda acredita que as instituições estão a salvo das mãos da direita bolsonarista. A disputa não é só técnica: é política, é moral e aponta quem vai proteger o pântano conservador e quem vai responder à pressão popular contra o retrocesso autoritário. Deputados que ocuparam o plenário em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro enfrentam agora uma manobra procedural que pode virar blindagem para os aliados do ex-presidente.
Na sexta, Motta (Republicanos-PB) remeteu ao gabinete da corregedoria as representações disciplinares contra parlamentares da oposição que bloquearam a Mesa Diretora. No despacho, citou a chamada resolução do rito ordinário — cinco dias úteis para a defesa e mais 45 dias para o parecer do corregedor. Um ritual burocrático que, na prática, alonga prazos e ganha tempo para os réus do golpe.
Mas aqui está o ponto crucial: as representações tratam, na verdade, da possibilidade de suspensão cautelar de mandato, que prevê rito sumário — 48 horas para o corregedor se manifestar e prazo curtíssimo para a Mesa decidir encaminhar ao Conselho de Ética. Ou seja, um instrumento pensado para situações graves e urgentes. Técnicos ouvidos entenderam que Motta optou pelo rito mais longo justamente para evitar que a suspensão cautelar, a sanção mais dura e imediata, caísse sobre parlamentares que defenderam a impunidade do golpe. Conveniente, não?
Não é só jurisprudência sendo interpretada: é política sendo construída. A técnica processual virou escudo para interesses partidários. E vale lembrar: Motta não é neutro. É Republicanos, fedido ao mesmo projeto que tenta ressuscitar o bolsonarismo institucionalizado.
Diego Coronel, corregedor da Câmara (PSD-BA), foi notificado e precisa agora produzir um parecer caso a caso. Ele deixou claro que pretende garantir o contraditório, mas também que respeitará a decisão da Mesa se esta insistir no rito ordinário. “Pelo meu entendimento, o que se encontra na corregedoria é que seja cumprido a resolução 37 [rito mais elástico]. Mas se a Mesa entender que é o 180 [rito cautelar], eu vou cumprir” – Diego Coronel (PSD-BA), corregedor da Câmara. E reforçou: “Vou defender minha tese, de abrir para o contraditório, e dar o seguimento. Mas se ele [Motta] e a Mesa Diretora acharem que não, eu vou cumprir” – Diego Coronel (PSD-BA), corregedor da Câmara.
Trata-se, portanto, de uma pressão política explícita sobre o processo. Motta joga pela lentidão; a corregedoria aponta para a legalidade e para o contraditório — e a população observa quem protege quem. Os bolsonaristas mostram mais uma vez que vão usar todos os instrumentos institucionais para garantir impunidade. A pergunta que fica é clara: vamos permitir que regras sejam usadas como muleta para salvar réus de golpe?
A iniciativa da oposição, ao ocupar o plenário, foi uma resposta legítima à tentativa de normalizar a impunidade de um project que já tentou subverter a democracia. Não é espetáculo gratuito: é luta política de resistência. E a reação da Mesa — e de Motta — confirma que a batalha principal acontece no terreno das instituições, onde a direita tenta reescrever regras para se proteger.
Ou pressionamos as portas do poder com organização e política, ou deixamos que a impunidade se torne rotina. A tarefa da esquerda é dupla: garantir que os trâmites legais não sirvam de colete salva-vidas para golpistas e impor uma agenda que não apenas conteste o bolsonarismo, mas avance em direção a um projeto popular e de transformação — com o PT e Lula atuando como eixo de uma nova etapa de mobilização e reforma profunda.
Que os próximos dias sirvam para expor a manobra e para concentrar forças nas ruas e nos corredores da Câmara. Se a direita pretende proteger seus, que saibam: vamos responder com organização, denúncia pública e unidade política. A disputa é por democracia e por futuro.