Na manhã desta segunda-feira (1º), num cenário que mistura espetáculo, angústia e estratégia política, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) foi conferir de perto o estado do seu chefe: Jair Bolsonaro, que cumpre prisão domiciliar desde agosto. O encontro de cerca de duas horas aconteceu às vésperas do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal que julgará parte do núcleo do golpe; tempo suficiente para orações, café e, claro, a construção de narrativas que tentam transformar derrota em vitimismo político.
“Oramos, tomamos café e conversamos. Ele queria me ver por causa da minha saúde, ele ficou sabendo do meu câncer. Foi um encontro entre dois vulneráveis”, declarou Damares Alves. A imagem de párias previdentes e devotos é bem calibrada: religiosidade como escudo moral, sofrimento como argumento político. Mas não nos enganemos — é espetáculo calculado. Damares ainda contou ao g1 que Bolsonaro estava “sereno” e enfrentando problemas de saúde após cirurgias abdominais, com soluços frequentes. O drama fisiológico vira peça em cena.
Bolsonaro segue em prisão domiciliar, protegido pelas brechas que o sistema jurídico concedeu ao clã. A medida que o mantém longe da cela foi assinada pelo ministro Alexandre de Moraes depois do ex-presidente descumprir ordens judiciais — um fato que não some, por muito lamento ou oração que se faça no palácio caseiro. As regras da prisão domiciliar permitem visitas de familiares, advogados e aliados políticos mediante autorização, e hoje as portas se mostraram abertas para as figuras de sempre.
A defesa do ex-presidente ainda pediu autorização para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pudesse visitar Bolsonaro. O pedido foi deferido por Moraes até as 18h desta segunda. “Foi ele quem pediu para visitar Bolsonaro”, afirmou Arthur Lira. Lira, como sempre, tenta justificar a costura entre parlamentarismo fisiológico e o bolsonarismo em queda — e não quis adiantar os temas da conversa, claro. Que surpreso, não? Aliados se reúnem, combinam versões, procuram a melhor saída para salvar o discurso e as cabeças.
A leitura política é óbvia: enquanto o STF começa a julgar o núcleo da trama golpista, a direita busca costurar lealdades e apresentar rostos cansados e combalidos para tentar colher compaixão. Enquanto isso, a direita costura sua teia, tentando salvar do naufrágio o que restou da sua credibilidade. Não há como esquecer que se trata de um grupo que tentou subverter a ordem democrática; o espetáculo de oração e fragilidade não apaga a gravidade das ações que os trouxeram até aqui.
E o país observa. Há uma alternativa política que não se reduz a espectáculos: o projeto popular e democrático que Lula e o PT representam para muitos setores, disposto a avançar na defesa das estatais, contra privatizações e em políticas que ataquem as reais desigualdades do país. É preciso entender que a batalha jurídica e política que se move no STF é apenas uma parte do combate — outro campo de disputa é a opinião pública e a organização popular.
Se Damares e Lira saem da visita com o dever de casa cumprido — manter a coesão entre aliados e plantar uma narrativa favorável —, cabe à esquerda responder com clareza: denunciar a impunidade, fortalecer a defesa da democracia e conectar essa denúncia à vida cotidiana das pessoas. Não é hora de neutralidade. É hora de enfrentar a direita em todas as frentes, desmontando politicamente o bolsonarismo e empurrando a agenda popular adiante. Que o julgamento no Supremo seja apenas um passo — e que a mobilização nas ruas e nas instituições não recue diante do teatro da casa alugada do ex-presidente.