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Disputa na tríplice fronteira: bandeira colombiana hasteada em Santa Rosa é retirada por militares peruanos

A ilha de Santa Rosa, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, virou mais um palco de teatralidade nacionalista e tensão militar: na manhã desta segunda (11) uma bandeira colombiana foi hasteada no território — vista por ribeirinhos e embarcações que passavam pelo Amazonas — e, em seguida, retirada por militares peruanos enviados ao local. O episódio é mais um capítulo de uma crise que começou em 2024 e que, com a artilharia retórica e a presença de tropas, deixou de ser apenas uma disputa cartográfica para se transformar em espetáculo geopolítico com gente real sofrendo no meio. Bandeira não alimenta quem vive sem água ou luz.

Contornos militares

A discussão deixou de ser um consulta de mapas e ganhou contornos militares: as Forças Armadas do Peru reforçaram a presença na ilha e a Colômbia aumentou o efetivo em Letícia. O presidente colombiano Gustavo Petro chegou a visitar Letícia — transferindo para lá uma celebração histórica — em gesto que misturou diplomacia e demonstração de força. Em tom de queixa pública, Petro questionou a chegada de forças peruanas ao local: “Eu quero que eles me expliquem por que chegou um helicóptero com militares à ilha de Santa Rosa se ainda não foi decidido que essa ilha é peruana”, disse ele. Ao mesmo tempo, o presidente afirmou que pretende privilegiar o diálogo: “O governo colombiano usará, antes de tudo, os canais diplomáticos para defender a soberania nacional”.

Do lado peruano, a reação foi igual de dura — e justificável do ponto de vista de quem administra serviços naquela margem do rio — com o Ministério das Relações Exteriores lembrando que o Peru exerce atos de jurisdição na região há décadas. No meio dessa troca de notas oficiais, homens do Exército do Peru fincaram dezenas de bandeiras peruanas em Santa Rosa. O espetáculo é antigo: bandeiras e canhões simbólicos quando o que se joga é, muitas vezes, o controle sobre um recurso essencial — o rio.

Diplomacia, rio e gente

A origem da confusão é técnica, mas o efeito é humano: Santa Rosa surgiu por sedimentação do Amazonas depois da assinatura do tratado que demarcou fronteiras há quase um século, portanto o território não consta no acordo original. Projeções dos institutos dos dois países indicam que até 2030 o curso do Amazonas pode se direcionar para o lado peruano, o que deixaria Letícia sem saída para o rio — um desastre para comunidades que dependem da água e do transporte fluvial.

Enquanto governos trocam farpas e deslocam tropa, a população local sofre com abandono: falta infraestrutura básica, água, luz e serviços, como relatou a imprensa peruana. Do lado dos moradores, a palavra é direta: “Tudo aqui é e sempre foi peruano: a comida, as pessoas, as escolas, a bandeira”, afirmou Arnold Pérez, morador da ilha, lembrando que a vida cotidiana é a que menos importa quando o poder entra em cena.

Militarização não resolve a pobreza; só serve para alimentar fantasias nacionalistas e interesses geopolíticos.

A disputa expõe várias equívocos: primeiro, a crença de que um gesto simbólico — fincar uma bandeira — resolve séculos de acordos e direitos de população; segundo, a opção por mostrar força em vez de investir em diálogo técnico e serviços públicos. Além disso, há outra questão incômoda: a facilitação do conflito por governos que, em outros campos, promovem agendas ultraliberais que deixam comunidades ribeirinhas desassistidas. Não é coincidência que territórios pobres provoquem disputas quando aparecem interesses estratégicos.

O que a região precisa, em vez de fotos de propaganda e sobrevoos militares, é de negociação séria entre Lima e Bogotá, com participação das comunidades e garantias de direitos. O Brasil, que também tem interesses e responsabilidades na Amazônia, não pode ser espectador ingénuo. É hora de empurrar a diplomacia e a cooperação técnica para frente, exigir saneamento, luz e transporte para quem mora na ilha — e recusar a militarização como solução para problemas sociais. Afinal, na fronteira, quem paga o pato não são os chanceleres nem os generais, mas as famílias que só querem ter água na torneira e escolas decentes. Quem vai defender isso de verdade?

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