A aparição da ilha de Santa Rosa no meio do rio Amazonas transformou uma disputa cartográfica em tensão militar — e num lembrete perigoso de como governos, velhas rivalidades e a ganância pela Amazônia podem botar vidas em risco enquanto fingem defender “soberania”. Peru e Colômbia trocaram farpas, tropas e bandeiras; o Brasil, espectador direto da tríplice fronteira, vê mais uma crise que poderia ser evitada com diálogo e políticas públicas sérias para a região. A disputa deixou de ser só diplomática e ganhou contornos militares!
Diplomacia e escalada militar
Nos últimos dias, o governo do Peru enviou soldados para Santa Rosa e hasteou bandeiras por toda a ilha, enquanto as Forças Armadas da Colômbia reforçaram Letícia. O presidente Gustavo Petro foi pessoalmente à cidade colombiana e transferiu para lá uma celebração nacional; do lado peruano, o primeiro‑ministro Eduardo Arana e ministros visitaram a região. A crise não nasceu do nada: houve um acirramento desde o ano passado e uma lei peruana em julho que criou o distrito de Santa Rosa de Loreto inflamou ainda mais os ânimos. Enquanto isso, pessoas que vivem ali seguem sem água e luz, vítimas da negligência estatal e do abandono histórico da região.
“Eu quero que eles me expliquem por que chegou um helicóptero com militares à ilha de Santa Rosa se ainda não foi decidido que essa ilha é peruana”, reclamou Gustavo Petro em publicação nas redes, denunciando o que chamou de apropriação por parte do Peru. Do outro lado, o Ministério das Relações Exteriores de Lima respondeu com nota firme: “O Governo do Peru expressa seu mais firme e enérgico protesto diante das declarações do Governo da Colômbia sobre os direitos soberanos e atos de jurisdição que o Peru exerce de forma legítima e legal, pública e contínua há mais de um século sobre a integridade de seu território nacional” — um discurso formal, digno das diplomacias, mas que pouco resolve o drama material das comunidades ribeirinhas.
A crise tem raiz técnica e humana: a ilha surgiu por sedimentação do rio Amazonas e, por ser “nova”, não consta do tratado centenário que demarcou fronteiras. Institutos dos dois países projetam que, por volta de 2030, o curso do Amazonas pode mudar, direcionando o fluxo para o lado peruano e deixando Letícia sem acesso ao rio — um risco gravíssimo para a população local e para a soberania efetiva colombiana da região. Moradores, com razão, reivindicam futuro e infraestrutura: “Tudo aqui é e sempre foi peruano: a comida, as pessoas, as escolas, a bandeira”, disse o morador Arnold Pérez à rádio Caracol, ecoando o sentimento identitário que alimenta a disputa.
Amanhã pode vir uma convenção entre países; pode vir um tribunal internacional; ou — triste ironia — pode vir mais militarização e teatro patriótico para distrair as elites. Enquanto isso, a população de Santa Rosa de Yavarí e arredores segue com serviços públicos precários, sem políticas integradas de desenvolvimento amazônico. O espetáculo das bandeiras e dos helicópteros não enche cisterna nem paga um posto de saúde.
Não nos enganemos: disputas territoriais se misturam a interesses geopolíticos e econômicos. A direita regional — aquela que cultua privatizações, bilionários e militarização — adora crises que possibilitem intervenção e negócios. Cabe aos povos da Amazônia, às organizações populares e a governos comprometidos com a defesa do patrimônio nacional e dos direitos sociais pressionarem por soluções pacíficas e pela presença do Estado em forma de serviços públicos, não de baionetas.
Que fique claro: a proteção da Amazônia exige soberania social e democrática, não espetáculo bélico. É hora de fortalecer a diplomacia popular, exigir infraestrutura básica e garantir que a disputa por um pedaço de terra não vire pretexto para quem quer lucrar com a miséria e o caos. E enquanto desmontamos as tramas da direita que só pensam em lucro, precisamos apoiar e impulsionar forças que coloquem a luta anticapitalista e a defesa dos bens comuns na agenda — porque sem isso, a região continuará refém de interesses estrangeiros e das elites nacionais.