Nas redes, a direita golpista volta a ensaiar um espetáculo de teatro mal ensaiado: um vídeo do deputado Marcel van Hattem circula como se anunciasse o começo do impeachment do ministro Alexandre de Moraes — mas é má-fé e desinformação. O clipe foi viralizado com legenda enganosa e omite o contexto e a cronologia; quem espalha essa narrativa não quer debate jurídico, quer colher clima político para justificar assalto institucional. Vamos desmontar o truque com fatos.
O que o vídeo realmente mostra (e o que omite)
O post, publicado no TikTok em 6 de agosto e com mais de 410 mil visualizações, mostra realmente Marcel van Hattem falando nos corredores do Senado sobre um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes. Porém, a filmagem usada na viralização foi registrada em 9 de setembro de 2024 — não é um “último furo” nem uma novidade urgente. Além disso, há uma confusão intencional entre protocolar um pedido e instaurar o processo. Protocolar um pedido não é o mesmo que abrir o processo.
Van Hattem chegou a dizer, na gravação: “Nós estamos vendo diante dos nossos olhos, há anos, todos os abusos de autoridade cometidos pelo Supremo Tribunal Federal…” e proclamou números de apoio: “O Senado da República tem 31 senadores que se declaram abertamente a favor do impeachment… 32 neste exato momento.” Mas isso é narrativa de campanha — e ainda há o cálculo do senador Rogério Marinho, que afirma haver 41 senadores favoráveis, número mínimo alegado pela oposição para levar a tramitação ao plenário.
O rito legal e quem decide de fato
A peça fundamental que a militância bolsonarista tenta ignorar é simples: quem autoriza o começo do processo é o presidente do Senado. A assessoria do Senado esclareceu que, apesar da PET 4/2024 ter sido protocolada e despachada, isso não significa instauração automática do impeachment. “Quem determina se a petição vai se converter no início do processo do impeachment é o presidente do Senado. A assessoria jurídica apenas dá seu parecer técnico, positivo ou negativo, sobre o tema”, afirmou a assessoria do Senado Federal. O pedido foi recebido pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e despachado em 11 de setembro para a Advocacia do Senado, onde ainda permanece sem abertura de processo.
E como lembrou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, em entrevista: “Não estamos diante de uma questão meramente numérica, mas de uma avaliação jurídico-política que envolve justa causa, prova, adequação legal e viabilidade. A decisão cabe ao presidente do Senado, no exercício de suas prerrogativas constitucionais. Em respeito ao diálogo democrático e atenção à oposição, reafirmo que qualquer pedido será analisado com seriedade e responsabilidade”.
O rito constitucional e a Lei do Impeachment exigem filtros: análise da Advocacia, formação de comissão especial, votação por maioria simples para admitir a denúncia e, em caso de prosseguimento, necessidade de dois terços dos senadores (54) para cassar o ministro. Não é carnaval de rua com panelaço — é processo político-jurídico complexo.
A direita protesta, produz clipes e tenta transformar petições e protocolos em fake news para criar sensação de crise. Mas a verdade burocrática e jurídica continua a valer: enquanto o presidente do Senado não autorizar, não há abertura formal do processo. Isso não é defesa de corporativismo: é defesa do devido processo e um contra-ataque às tentativas de judicializar política com objetivos autoritários.
No fim das contas, a viralização do vídeo é mais um capítulo da mesma estratégia — espalhar boatos, inflamar bolsonaristas e pressionar instituições. Se a esquerda democrática e o campo popular querem derrotar a direita golpista, é preciso disputar também a narrativa: denunciar as farsas e explicar o caminho legal, sem cair nas ciladas que esses farsantes plantam para desestabilizar nossa democracia.