O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que desistiu de viajar aos Estados Unidos após as restrições impostas por Washington tornarem impossível sua participação plena na Assembleia Geral da ONU e em eventos paralelos — entre eles uma reunião crucial da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A medida americana não atingiu apenas um indivíduo; atingiu o Brasil como ator público na defesa da ciência, da vacina e da cooperação sul-americana. Aqui está o que aconteceu e por que isso tem que nos indignar.
As amarras que expulsaram o ministro
Padilha afirmou que recebeu o visto americano, mas que as condições de circulação impostas pelo governo dos EUA inviabilizaram a agenda. “Inaceitável as condições, porque eu sou o ministro da Saúde do Brasil. Quando vou para um evento como esse, tenho que ter plena possibilidade de participar do conjunto das atividades das quais nós somos convidados” — Alexandre Padilha. Resultado: circulação restrita a um perímetro de cinco quarteirões em Nova York (hotel, sede da ONU e missão do Brasil), proibição de deslocamento para Washington (onde ocorreria a Assembleia Geral da OPAS) e necessidade de solicitar autorizações com 48 horas de antecedência para qualquer agenda fora do perímetro.
Permitir que um país congele a agenda de um ministro é dizer ao Brasil que seus compromissos internacionais valem menos do que o capricho de uma superpotência. Não é exagero: a proibição de ir a Washington impediu Padilha de anunciar um reforço financeiro do Brasil a um fundo estratégico da Opas para compra de vacinas e de medicamentos oncológicos a preços mais baixos — uma iniciativa que beneficiaria todo o continente.
Além disso, o ministro foi impedido de participar como presidente da parceria dos BRICS na área da saúde, de encontros do G20 e do Mercosul que ocorrem frequentemente em embaixadas, e de visitas a hospitais e reuniões com empresas americanas interessadas em investir no Brasil. “As restrições inviabilizam a presença do ministro da Saúde do Brasil nas atividades que ele precisa fazer parte” — Alexandre Padilha.
As autoridades brasileiras receberam uma nota dura à Opas, criticando a postura americana. “O espírito de cooperação dos EUA não sucumbirá à sombra de obscurantismo e de negacionismo que paira sobre o país atualmente” — Alexandre Padilha. Um diagnóstico direto: não se trata apenas de burocracia, mas de uma mudança política nos EUA que restringe a mobilidade diplomática e científica.
O episódio tem várias camadas. De um lado, um presidente americano que bateram palmas por posturas negacionistas; do outro, um Brasil que tenta retomar papel de liderança em saúde pública global sob o governo Lula — fortalecendo estatais, investimento público e produção de vacinas no país. Eles até podem impedir a presença do ministro, mas a ideia da defesa da ciência, da defesa da vacina […] esse presidente dos Estados Unidos não vai conseguir impedir, afirmou Padilha, com firmeza.
Para um país que vive a prioridade da soberania sanitária e vê no SUS e nas universidades públicas elementos-chave de proteção da vida, a resposta não pode ser tímida. Precisamos transformar essa provocação em estratégia: mais investimentos nacionais em pesquisa, parcerias Sul-Sul e um fortalecimento das instituições internacionais que não se dobram ao arbítrio de governos retrógrados.
Que fique claro: não aceitamos que interesses geopolíticos e rancores ideológicos determinem quem pode dialogar sobre saúde global. O Brasil tem de continuar articulando apoio a fundos de vacinas, ampliar sua capacidade produtiva e seguir defendendo ciência e solidariedade em todas as instâncias. Se uma superpotência tenta amarrar nossos representantes, que isso sirva para reforçar a autonomia nacional e a luta contra o negacionismo — dentro e fora do país.