O ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino mandou cortar o dinheiro na fonte: por ordem do ministro, o governo deve suspender o repasse de emendas parlamentares a nove municípios que, segundo auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), simplesmente não prestaram a devida conta — ausência de transparência, rastreabilidade falha, e indícios variados de superfaturamento e desvio. A lista dos irresponsáveis revela muito mais do que incompetência: mostra como o mecanismo das chamadas “emendas PIX” virou terreno fértil para o toma lá dá cá, o patrimonialismo e a velha política do Caixa 2 em versão digital.
Nos últimos anos, o STF tentou pôr ordem nesse pântano, exigindo transparência do uso de verbas federais destinadas por deputados e senadores a estados e municípios. A CGU auditou as 10 cidades que mais receberam emendas individuais entre 2020 e 2024 — um total de R$ 724,8 milhões via “transferências especiais”, as célebres emendas PIX que prometiam agilidade e entregaram pouca responsabilidade. Surpresa: só São Paulo (SP) cumpriu os requisitos do tribunal. Os outros nove municípios foram flagrados com problemas e terão repasses suspensos. Não é pouca coisa: são indícios de superfaturamento, desvio e contratação irregular em nome de “rapidez”.
As cidades e os problemas apurados:
– Carapicuíba (SP): falhas na formalização do processo licitatório;
– São Luiz do Anauá (RR): obras paralisadas, prazo de vigência expirado;
– São João de Meriti (RJ): indicativos de superfaturamento;
– Iracema (RR): execução fora das especificações técnicas;
– Rio de Janeiro (RJ): indícios de superfaturamento;
– Sena Madureira (AC): ausência de documentos que comprovem entrega de produto;
– Camaçari (BA): desvio do objeto da execução do contrato;
– Coração de Maria (BA): contratação de empresa sem comprovação de capacidade técnica;
– Macapá (AP): indícios de superfaturamento.
Envio dos casos à PF
Além da suspensão dos repasses, Flávio Dino mandou a CGU encaminhar o relatório à Polícia Federal para que se investiguem possíveis desvios, superfaturamentos e favorecimentos. A CGU não economizou nas palavras: “Em 9 dos 10 municípios auditados, constatou-se a ineficiência e inefetividade na aquisição de bens e na execução dos serviços, incluindo indicativo de superfaturamento, de desvio de recursos, de favorecimento de empresas e ausência de comprovação da aquisição de bens, gerando não conformidades que impactaram significativamente na entrega dos objetos originalmente acordados” – CGU. E o ministro reforçou a necessidade de prosseguir com a investigação: “A continuidade é necessária para separar o joio do trigo, evitar injustiças, possibilitar o exercício pleno do direito de defesa e aplicar as sanções cabíveis após o devido processo legal” – Flávio Dino. Quem ganha com a apuração é a sociedade; quem perde é a velha politização do orçamento público.
É preciso dizer sem rodeios: as emendas PIX, vendidas como eficiência administrativa, transformaram-se muitas vezes em atalho para a corrupção local e nacional. E mais uma vez a direita, liderada pelos mesmos que atacam a administração pública para justificar privatizações e mais mercado, aparece no palco com as mãos sujas e a hipocrisia pronta. Onde estavam os paladinos do “Estado mínimo” quando essas verbas foram direcionadas sem controle? Cadê o discurso de moralidade seletiva agora?
A decisão do STF e a atuação da CGU devem ser celebradas como ferramentas de defesa do patrimônio público — mas não bastam. É urgente fortalecer os mecanismos de controle, ampliar auditorias e garantir autonomia e recursos à CGU, à PF e aos órgãos de controle locais. A luta contra a corrupção não é neutra: ela é parte da batalha contra a direita que quer privatizar nossas estatais e entregar o dinheiro público ao setor privado. Se queremos transformar o país, precisamos defender o controle público, punir os corruptos e mobilizar uma alternativa popular capaz de construir políticas públicas verdadeiras, resistentes aos lucros de bilionários e às negociatas parlamentares. Quem acredita num Brasil decente não aceita meia-culpa nem meia-transparência — exige investigação, punição e recuperação dos recursos desviados.