O Congresso ferveu esta semana com uma costura que cheira a acordo sujo: Hugo Motta decidiu abraçar o pacto articulado por Arthur Lira para alterar o foro privilegiado — uma manobra que mistura vaidade de políticos, pressões bolsonaristas e a tentativa de reescrever as regras do jogo para proteger autoridades. Enquanto a oposição fingia lutar contra privilégios, vimos deputados aliados a Bolsonaro ocupar mesas diretoras e fazer chantagem política para pautas que, na verdade, buscam blindar parlamentares e beneficiar a extrema direita. Quem ganha com tudo isso? Os poderosos; quem perde? A democracia e a luta popular.
A costura e o pacote de blindagem
A proposta em questão é uma PEC que acaba com o foro privilegiado para crimes comuns — um tema que já circula no Congresso desde 2018 e que chegou ao plenário da Câmara preparado para votação. Na teoria, a ideia de levar autoridades à primeira instância parece coerente: ninguém deve estar acima da lei. Na prática, porém, a negociação costurada por Lira prevê alterações que trocam farpas por vantagens para parlamentares: autorização prévia do Congresso para abertura de ações penais contra deputados; prisão em flagrante restrita apenas a crimes inafiançáveis; e necessidade de aval legislativo para cumprimento de medidas judiciais dentro do Parlamento. O pacote não é reforma do sistema, é uma tentativa de transferir poderes do Judiciário para o Legislativo. É uma blindagem institucional que cheira a impunidade.
Entre os pontos negociados, aliados garantiram que a PEC em votação terá cláusula que impede a retroatividade — ou seja, processos já no STF, como os que envolvem Jair Bolsonaro, permaneceriam lá. Isso não elimina o intento: é apenas a primeira etapa. Para transferir casos já em curso seria preciso nova articulação, e aí entram as pressões, as barganhas e as manobras que vimos na ocupação da Mesa. Afinal, quem imagina que os bolsonaristas parariam por aí?
No calor da negociação, Hugo Motta tentou negar qualquer troca de favores. “A presidência da Câmara é inegociável. Quero que isso fique bem claro. As matérias que estão saindo sobre a negociação feita por esta presidência para que os trabalhos fossem retomados não está vinculada a nenhuma pauta. O presidente da Câmara não negocia as suas prerrogativas, nem com a oposição, nem com o governo, nem com absolutamente ninguém” — Hugo Motta. Convenhamos: quem acreditou nessa negação assistiu a um espetáculo de hipocrisia parlamentar.
O debate jurídico também pulsa. O foro privilegiado existe para supostamente proteger investigações de influências locais, mas foi reduzido pelo STF em 2018 para crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao cargo. Em 2025, entretanto, o Supremo mudou o entendimento e decidiu que investigações podem continuar mesmo depois do fim do mandato, para evitar que investigados escapem renunciando ou não sendo reeleitos. “O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa” — Gilmar Mendes. Ou seja: estabilidade processual contra manobra política.
E a esquerda? Lula e o PT aparecem na cena como um ator central: a base do governo, segundo interlocutores, teria apoios a pontos da pauta costurada nos bastidores. Para nós, que queremos um projeto popular e anticapitalista, a lição é clara: não basta a troca de gavetas e medíocre acomodação parlamentar. Defender estatais, serviços públicos e responsabilização política exige vigilância, mobilização social e unidade com setores progressistas no Congresso — sem ceder a reformas que privilegiam acusados e corroem a confiança no Judiciário.
A partida que se joga agora não é apenas técnica ou institucional; é política. Direitos, Estado democrático e combate à impunidade estão na mesa — e a direita, sempre pronta a usar qualquer brecha, já faz seu jogo sujo. Resta à militância e aos setores populares pressionar por reformas que aumentem transparência e responsabilização, e não por projetos que transformem o Congresso em cofre de impunidade para ricos e golpistas. Quem pensa que a democracia será entregue sem luta ainda não entendeu nada.