O Congresso finalmente instalou a CPI mista da Fraude do INSS — tarde, como sempre, mas não sem espetáculo político. O caso que desemboca nessa investigação tem rosto e nome: Francisca da Silva de Souza, 72 anos, pensionista, analfabeta e trabalhadora da economia informal em Fortaleza. Formalmente ela consta como presidente de uma associação que, em maio de 2024, dizia ter quase 492 mil associados e recebia descontos diretos das aposentadorias: milhões de reais que saíram do bolso dos mais fracos e bancaram uma rede de associações de fachada. Enquanto a bolha midiática e os picaretas do mercado se agitam, o que está em jogo é a vida de milhares de idosos e a própria dignidade de um Estado que tem o dever de proteger sua população mais vulnerável.
O caso de Francisca e a arapuca das associações
Francisca foi colocada como dirigente sem compreender nada do que estava assinando. Procurada por uma tal de Liduína, foi apresentada a um grupo de advogados que a fez assinar documentos para um “empréstimo”. Resultado: virou presidente da Aapen e começou a receber cartas de cobrança e processos — mais de 200 ações contra ela. A Defensoria Pública do Ceará não teve dúvida ao classificar a idosa como vítima. “Resta evidente que não se trata de presidente ou administradora de qualquer associação, mas sim de uma hipervulnerável enganada por pessoas inescrupulosas, assumindo, em razão da sua falta de informação, a condição de ‘laranja’.” — Defensoria Pública do Ceará.
A investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União sugere que o esquema pode ter lesado até R$ 6 bilhões! O golpe não foi obra do acaso, mas de uma quadrilha que pilhou o suor dos aposentados! O relatório da PF indica que presidentes de pelo menos dez associações podem ter sido “laranjas” — Francisca está entre os nomes citados. “A própria Polícia Federal já havia apontado indícios de que os presidentes de dez associações podiam ser laranjas. Um dos nomes citados pela PF era o de Francisca da Silva de Souza.” — Polícia Federal.
Entre os investigados está a advogada cearense Cecilia Rodrigues da Mota, que presidiu a Aapen e outra entidade suspeita, a AAPB. A apuração mostra que seu escritório recebeu valores de entidades investigadas e repassou recursos para empresas ligadas a familiares de servidores do INSS. Dois suspeitos estão presos preventivamente, 13 inquéritos correm em vários estados, e foram apreendidos bens que somam R$ 176,7 milhões — contas bloqueadas, dinheiro impedido de evaporar. Ainda assim, o Congresso precisa ir além das palavras e cortar a cabeça da serpente que alimenta esse negócio: escritórios, servidores coniventes e políticos que fecham os olhos.
Alguns envolvidos tentam se esquivar. Um dos advogados que conversou com Francisca, Ricardo Santiago, afirmou que “o áudio apresentado pela idosa na ação judicial contra a Aapen ‘foi tirado de contexto’ e que ele ‘não tem nenhuma ligação com os fatos alegados’.” — Ricardo Santiago, advogado. Sério? Quantas vezes não ouvimos essa ladainha quando o esquema começa a afundar?
É preciso rasgar o véu das associações de fachada e responsabilizar políticos, servidores e escritórios que lucraram com a miséria dos aposentados. Não basta CPI para espetáculo; é preciso investigação profunda, medidas de reparação aos lesados, endurecimento das punições e recuperação dos recursos desviados.
Se há algo que esse escândalo escancara é a necessidade de proteger o INSS e as políticas públicas que garantem renda à velhice. Defender as estatais, combater privatizações e criminalizar os arranjos que colocam o lucro acima da vida humana não é retórica. É luta social, prática cotidiana. Será que o Congresso — parte dele capturado por interesses privados — terá coragem para confrontar os que lucraram com a fraqueza alheia, ou tudo terminará em acordos subterrâneos e manchetes vazias? A CPI pode e deve ser um instrumento para virar o jogo: desvendar a teia, punir os culpados e devolver o que foi roubado. Se a esquerda organizada não transformar essa indignação em pressão política e mobilização social, os aposentados continuarão pagando a conta. Quem vai agir agora? E se não formos nós, quem será?