O voto de Luiz Fux na Primeira Turma do STF nesta quarta-feira (10) escancarou mais uma vez o jogo político-judicial que tenta proteger as redes do bolsonarismo enquanto castiga apenas parte dos seus protagonistas. Fux absolveu o ex-diretor-presidente da Abin Alexandre Ramagem de dois crimes centrais apontados pela Procuradoria-Geral da República — tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado — ao mesmo tempo em que considerou suspensos outros registros por força de decisão da Câmara dos Deputados. Para completar o espetáculo, o ministro também votou pela absolvição de Jair Bolsonaro, do ex-comandante Almir Garnier e dos ex-ministros Augusto Heleno e Anderson Torres dos cinco crimes que lhes foram imputados pela PGR. Que lógica é essa que protege os corpos políticos do golpe e deixa o resto do tabuleiro em aberto?
O que já foi decidido e o que ainda falta
Fux foi o terceiro a votar na turma de cinco ministros. Ainda faltam os votos de Cármen Lúcia e do presidente da turma, Cristiano Zanin, e a expectativa é que o julgamento seja encerrado até sexta-feira (12). Em contrapartida, o ministro votou pela condenação de Braga Netto e Mauro Cid por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito — ponto em que já existe maioria na Primeira Turma. Antes, na terça (9), Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino já haviam votado pela condenação de Bolsonaro e outros sete réus.
As penas previstas são duras no papel, ainda que na prática dependam muito do caminho que o STF escolher para enrijecer ou afrouxar a responsabilidade política e penal dos envolvidos: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos); tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos); participação em organização criminosa armada (3 a 8 anos, podendo chegar a 17 anos com agravantes como uso de arma de fogo e participação de agentes públicos). Mas penas não vencem financiamento político, nem desmontam redes de influência que corroem o Estado.
O que diz a PGR
A Procuradoria acusa Ramagem de usar a estrutura da Abin para vigiar adversários políticos e alimentar os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, integrando o chamado núcleo estratégico da organização criminosa e contribuindo para a difusão das narrativas de fraude. Sobre a diferença de acusações entre réus, a PGR aponta que, por ter sido diplomado deputado antes de 8 de janeiro de 2023, Ramagem responde a menos crimes que os demais.
“Ramagem usou a estrutura da Abin para vigiar adversários e reforçar ataques ao sistema eleitoral; fazia parte do núcleo estratégico e ajudou a difundir narrativas de fraude.” — Procuradoria-Geral da República
O que diz a defesa
Os advogados de Ramagem rejeitam todas as acusações: negam uso indevido da Abin e afirmam que, desde 2022, o ex-chefe da agência não integrava o governo Bolsonaro, acusando a PGR de tentar imputar responsabilidades sem provas materiais. Em nota ao STF, a defesa sustentou que as alegações seriam fruto de radicalização retórica a partir de 2022, quando, segundo eles, Ramagem já havia deixado o cargo.
“A narrativa apresentada demonstra radicalização de falas a partir de 2022, momento em que Alexandre Ramagem não mais integrava o governo.” — Defesa de Alexandre Ramagem
O quadro é evidente: o tabuleiro judicial reflete, em grande medida, o equilíbrio político. Há ministros firmes na condenação; há ministros que, com interpretações de excepcionalismo institucional e invocações de prerrogativas legislativas, acabam por aliviar a régua. O resultado disso não é apenas uma decisão colegiada — é um recado ao país sobre quem pode arriscar desestabilizar a democracia sem pagar o preço completo.
Se queremos preservar a democracia e derrotar de vez as forças que fomentaram o ataque às instituições, não basta torcer pelo veredito técnico: é preciso organização social, política e cultural para desmontar a máquina de mentiras e proteger o Estado. Lula e o PT, por melhores ou piores que sejam nas interpretações eleitorais, têm papel central hoje em articular uma frente ampla que não apenas contenha a direita, mas mobilize um projeto popular verdadeiro, estatizante e antifascista. Que o julgamento siga — e que a rua, a imprensa e o movimento popular não desistam de cobrar justiça e responsabilização plena.