O voto de Luiz Fux pela absolvição do almirante Almir Garnier — um dos réus apontados pela Procuradoria-Geral da República como parte do “núcleo crucial” do golpe — acendeu mais uma vez o alerta sobre os freios e contrapesos do regime democrático brasileiro. Enquanto as instituições tentam desenrolar a trama que quase rasgou a Constituição, há decisões judiciais que cheiram a complacência com os atores paramilitares e golpistas. Como não ver nisso uma defesa tácita das velhas casamatas do poder? Quem se beneficia com esse tipo de leniência?
O núcleo crucial e o voto de Fux
A PGR acusa Almir Garnier dos crimes mais graves: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. “Garnier integrava o núcleo crucial da organização criminosa que teria tentado impedir a posse de Lula”, afirma a Procuradoria-Geral da República. Segundo a acusação, ele teria colocado a Marinha à disposição de Jair Bolsonaro para sustentar um projeto de ruptura — um braço militar para o esquema golpista.
Mas no STF, Luiz Fux votou pela absolvição. “Não há provas de que o ex-comandante da Marinha teria praticado os crimes imputados a ele pela PGR”, disse Fux em seu voto, minimizando reuniões nas quais, segundo a acusação, ações golpistas foram discutidas. “É preciso existir prova cabal para condenar”, completou, criticando também a PGR por, em sua visão, ter inovado ao incluir fatos como um desfile militar ocorrido no dia em que o Congresso examinava o voto impresso.
O resultado até agora é curioso: Fux foi o terceiro a se posicionar e, com seu voto, o placar relativo a Garnier ficou em 2 a 1 pela condenação — um retrato da disputa renhida no próprio tribunal. Ainda faltam votos, segundo a sequência do julgamento, e a tensão só aumenta. Quem mais compõe esse chamado núcleo crucial? Nomes como Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira aparecem na peça acusatória — uma constelação de militares, ex-ministros e operadores políticos que mostrou disposição em romper com a ordem democrática.
A fala de Fux — pedindo prova “cabal” e relativizando encontros militares que, na leitura da PGR, tinham clara orientação golpista — é uma lição preocupante sobre a burocracia do Judiciário frente às ambições autoritárias. Será que a exigência de provas “cabais” não vira, na prática, salvo-conduto para quem planejou a ruptura?
Não vamos aceitar que os sabujos do golpe recebam benevolência enquanto a democracia sangra e as forças da extrema-direita tentam se reagrupar! O episódio deixa claro que a batalha institucional é arduamente desigual: há juízes que se mostram mais solícitos à versão dos militares do que à urgência de punir quem ameaçou a ordem constitucional.
O ponto político é evidente: derrotar o bolsonarismo não é apenas expulsá-lo das urnas, é desmontar sua teia de influência nas Forças Armadas, nas polícias, no judiciário e nos aparelhos do Estado. Isso requer não só processos e julgamentos, mas uma ofensiva popular para democratizar as instituições e fortificar estatais contra entreguistas e privatistas. O povo deve exigir justiça e o fortalecimento de empresas públicas, que são escudos contra o saque privado e a impunidade dos bilionários de direita.
A luta continua. Não nos iludamos com votos singulares que parecem lavar a cara dos golpistas: a denúncia existe, os fatos foram narrados, e a sociedade precisa pressionar para que a punição venha e para que as raízes do autoritarismo sejam arrancadas. O PT e Lula, independentemente das contradições inevitáveis na política institucional, têm papel central para abrir espaço a uma nova etapa de luta anticapitalista — não apenas como alternativa eleitoral, mas como motor de reformas que devolvam poder ao povo e nacionalizem decisões estratégicas contra a sanha privatista. Vamos às ruas e aos tribunais, sem trégua!