O governo brasileiro tem mantido contatos regulares com Howard Lutnick, secretário de Comércio dos Estados Unidos, desde o anúncio do verdadeiro tarifaço de 50% no início de julho. Foram, segundo relatos oficiais, pelo menos quatro interlocuções — telefonemas, mensagens — nas quais o Brasil tentou abrir uma janela de negociação. Resultado? Silêncio prático e nenhuma contraproposta concreta por parte do representante americano. Será que estamos diante de uma diplomacia ou de uma ordem de serviço travestida de política comercial?
Os relatos do governo pintam um quadro desalentador: Lutnick não trouxe alternativas que pudessem aliviar ou suspender a alíquota imposta ao Brasil. Em vez disso, atribuiu o impasse a interesses das gigantes de tecnologia e a decisões internas do nosso STF. “O impasse envolve interesses das big techs e motivações políticas, como decisões do STF”, disse Howard Lutnick. E, como sempre que o imperialismo se sente acuado, tenta jogar a culpa nas instituições do país alvo — como se soberania e regulação democrática fossem crime internacional.
O que está em jogo não é menor: o governo Lula ensaia uma regulamentação das chamadas big techs — Google, Apple, Facebook, Amazon — que pretende obrigar essas plataformas a assumir responsabilidades pelo conteúdo e pelas práticas no Brasil. Não é surpresa que as plataformas se incomodem; o que surpreende é a prontidão com que o governo norte-americano parece colocar os interesses das corporações acima do diálogo entre estados soberanos.
Enquanto isso, aliados do vice-presidente Geraldo Alckmin — encarregado das negociações — enxergam pouco interesse por parte de Trump em negociar. “Parece claro que Trump não quer negociar”, disseram aliados de Alckmin. É sintomático: diante da chantagem comercial, a primeira reação de Brasília tem sido manter canais abertos. Isso é prudência diplomática? Claro. Mas não basta abrir o telefone se do outro lado tocarmos para o vazio das certezas americanas e a proteção às multinacionais.
Não nos enganemos: essa ofensiva tarifária tem um objetivo político e econômico claro. É uma pressão sobre um governo que ousa retomar o papel do Estado regulador e defensor do mercado interno, que protege empresas públicas e pretende limitar os lucros fáceis das big techs. Para nós, socialistas, não se trata de proteger só um mercado — trata-se de defender a autonomia nacional, o emprego e o acesso a alimentos e insumos que são fundamentais para o povo brasileiro. Não aceitar que plataformas e governos estrangeiros ditem as regras do jogo no Brasil é parte da batalha pela soberania.
México
Em movimentação prática para escapar do canto da raposa americana, Alckmin lidera uma comitiva ao México esta semana. A estratégia é clara: ampliar e diversificar parceiros comerciais num momento em que os EUA embaralham as regras do comércio global. A agenda prevê reuniões com ministros e empresários, e um encontro com a presidente Claudia Sheinbaum no Palácio Nacional. O objetivo brasileiro é obter inclusão de mais produtos na lista de alíquota zero do México — especialmente alimentos como carnes, muito afetadas pela medida americana.
Essa aposta na diplomacia regional é o caminho certo. Quando um país hegemônico tenta impor tarifas como se fosse dono do mundo, a resposta deve ser coletiva: fortalecer blocos regionais, acordos Sul-Sul, e acordos que coloquem interesses populares acima do lucro das corporações. Precisamos transformar a pressão externa em oportunidade para construir alternativas econômicas que privilegiem produção nacional, empregos e o abastecimento popular.
O governo acusa, reclama e tenta negociar. E tem razão. Mas é hora de combinar tática e estratégia: não apenas buscar diálogo com os EUA, que já demonstraram desinteresse em propor soluções, mas acelerar a integração regional e as medidas de proteção econômica que priorizem o povo brasileiro. Enquanto bolsonaristas e bilionários de direita torcem para ver o país recuar, nós devemos empunhar a defesa das estatais, da regulação e da soberania como armas políticas.
A lição é dupla: não confiar no bom senso de quem protege multinacionais e usa tarifas como arma política; e, ao mesmo tempo, não abandonar a mesa de negociação — mas ir a ela com alternativas reais. Enquanto a direita chora, que o povo organize sua resistência econômica e diplomática. Afinal, negociar é necessário, mas ceder não é opção quando se trata de soberania e democracia.