A Câmara virou palco de uma crise política que poderia ter sido evitada, não fosse a decisão de alguns parlamentares de priorizar a proteção dos próprios interesses em vez do interesse público. Hugo Motta (Republicanos-PB), alvo das manifestações deste domingo (21), foi aconselhado a deixar de lado a pauta do desgaste — a anistia e a chamada PEC da Blindagem — e trabalhar em temas positivos que realmente interessem à população. A saída é óbvia: trocar o jogo sujo por propostas que aliviem a vida do povo. Simples assim. Ou pelo menos deveria ser.
Hugo Motta se transformou no bode expiatório do Centrão, mas a crise que sufoca a Câmara é sintoma de algo maior: um Congresso-parasita que tenta se blindar contra investigações enquanto empurra ao povo propostas que favorecem os poderosos. Motta cedeu às pressões do Centrão e de apoios do bolsonarismo, colocando em votação a PEC que protege parlamentares sob investigação da Polícia Federal — entre elas, apurações sobre desvios ligados a emendas parlamentares. Na sequência, ainda tentou acelerar o projeto de anistia para os condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro. Era pedir para inflamar as ruas.
Os movimentos progressistas, artistas e a população foram para a rua e fizeram algo que falta em Brasília todos os dias: política com povo. As mobilizações, ocorridas em várias cidades, transformaram frustração em pressão real sobre o Legislativo. “Manifestações são demonstração de que a população rejeita a vida nebulosa por trás de legislações”, disse o presidente da CCJ no Senado. E como não reagir? A pauta da impunidade e do corporativismo é combustível para a raiva democrática.
Diante do recado das ruas, o Palácio do Planalto enxergou uma oportunidade. Se há desgaste no presidente da Câmara, por que não aproveitar para aprovar pautas populares que deem oxigênio à economia familiar e ao próprio governo? Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, vai pedir a Hugo Motta que coloque em votação ainda nesta semana o projeto que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil — prioridade clara do presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste semestre. É uma jogada prática: transformar o ruído em política concreta, em benefício do povo.
O resultado das manifestações animou setores do governo. Não porque o público seja “do governo”, mas porque as ruas eletrizadas mostraram a força dos movimentos democráticos e da esquerda em barrar retrocessos. As ruas mostraram que a direita não manda sem reação. A mobilização rápida — organizada a partir da quinta-feira anterior — teve caráter espontâneo e popular. Curioso, e revelador: nenhuma autoridade do Executivo marcou presença oficial nos atos, preservando o caráter autônomo das manifestações.
Enquanto isso, na Câmara, correm articuladores que tentam vender a narrativa de “agenda positiva” enquanto seguem costurando acordos para beneficiar seus próprios pares. O eleitor que saiu às ruas não quer subterfúgios: quer menos privilégios para quem ocupa o parlamento e mais políticas públicas para quem trabalha. O pedido de votação do projeto do Imposto de Renda é um teste — e prova que, quando pressionado, o governo e seus aliados conseguem puxar a pauta para onde interessa à maioria.
A batalha em curso é clara: de um lado, a direita obcecada por blindagens e anistias aos que atacaram a democracia; do outro, um povo que exige responsabilidade, justiça e medidas que aliviem o bolso. O Planalto tenta transformar o protesto em impulso para agendas sociais e econômicas — e a esquerda tem papel central nisso, pressionando e apontando caminhos. Se a Câmara quiser evitar novos embaraços, é melhor que aceite a realidade política: não há espaço para jogos de bastidores enquanto o país pede projetos que realmente mudem vidas. O recado das ruas ficou claro — agora cabe aos parlamentares decidir se servem ao povo ou aos seus próprios interesses.