O 7 de Setembro em Brasília teve o cenário festivo de sempre — bandeiras, gente na Esplanada, discurso de unidade — mas também escancarou as contradições políticas de um país que ainda sangra depois da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. No meio dessa encenação de normalidade, o presidente da Câmara, Hugo Motta, gravou um vídeo pregando “equilíbrio” e “pacificação”, enquanto nos bastidores corre a articulação que pode livrar golpistas e políticos investigados de suas responsabilidades. Hipocrisia? Claro que sim. Mas uma hipocrisia com agenda e interesses claros.
“Todo mundo conhece o grito que marcou a nossa história. Mas, hoje, num Brasil tão dividido, qual é o verdadeiro grito de independência que a gente precisa dar? A verdadeira independência é ter equilíbrio” — foi assim que Motta tentou vender sua versão de patriotismo, como se o simples apelo ao “equilíbrio” resolvesse a conta pendente com a democracia. Em outro trecho do vídeo ele foi além: “Em um país que mais parece um campo de batalha, ter independência é escolher não lutar uma guerra de narrativas, mas sim trabalhar para entregar o resultado”. Palavras belas para emoldurar um projeto de anistia que, nas entrelinhas, é uma tentativa de varrer sob o tapete a tentativa de golpe e, de quebra, proteger figurões como Jair Bolsonaro.
Na Esplanada, a resistência apareceu na forma de vozes simples e diretas: “Sem Anistia” — parte do público. Esse grito é a expressão de uma sociedade que recusa impunidade. E não é só simbolismo: a anistia é a bandeira principal da oposição no Congresso, que pressiona Hugo Motta para pautar o texto e jogar na frente do plenário propostas que naturalizam o que foi atentado à República. A ideia da direita é clara e cínica: transformar a responsabilização em esquecimento coletivo, beneficiar não só os manifestantes de rua, mas também políticos que participaram da trama golpista.
Anistia: o escândalo à espreita
A discussão ganhou ar de urgência com o julgamento da chamada Trama Golpista na Primeira Turma do STF, onde Bolsonaro e ex-assessores e militares são réus. Enquanto o Supremo trata de responsabilidades penais, no Congresso alguns articuladores cobram atalhos parlamentares para blindar os envolvidos. E adivinhe quem está no epicentro dessa articulação? O presidente da Câmara, Hugo Motta. Ele tenta se colocar como moderador, mas é impossível desligar a lógica política: pautar ou não pautar a anistia é escolher lado.
Não podemos aceitar a velha narrativa de “apaziguamento” quando o objetivo real é enterrar a investigação e premiar conspiradores. Equilíbrio não é omissão diante do golpismo. E mais: tentar empurrar essa anistia com a conversa melosa sobre “boas ideias venham de onde vierem” nada mais é do que a máscara do jogo de poder que os setores conservadores estão jogando. Se fosse mesmo sobre buscar soluções para o povo, estaríamos falando em fortalecer serviços públicos, reverter privatizações e processar os responsáveis pelo ataque à democracia — não em livrar a cara de quem tentou rasgar a Constituição.
Sou jornalista e militante: vejo nesse momento uma encruzilhada. De um lado, a direita autoritária tenta resetar sua conta, recuperar legitimidade política e proteger seus líderes. Do outro, há uma frente que inclui governistas e o presidente Lula, que já se posicionaram contrários à proposta de anistia — e isso é vital. Não podemos permitir que o debate sobre o presente vire carta branca para a impunidade.
A esquerda precisa transformar a rejeição à anistia em mobilização social e política. Lula e o PT não são apenas alternativa eleitoral; para quem acredita numa virada de fundo anticapitalista no país, eles são atores centrais na disputa por instituições que funcionem para o povo, não para os bilionários e seus fantoches. Derrubar a agenda da impunidade é também abrir espaço para políticas públicas que protejam os trabalhadores, as estatais e o patrimônio nacional.
O 7 de Setembro expôs mais do que festa cívica: lembrou a batalha que segue no Congresso e fora dele. Pautar ou não pautar a anistia é decisão política com efeitos sobre a própria estabilidade democrática. A hora é de vigilância, mobilização e combate frontal aos interesses que querem devolver ao projétil do autoritarismo sua força. A história pede enfrentamento — e quem acredita na democracia não pode se calar.