Na Assembleia Geral da ONU desta semana vimos um espetáculo democrático à moda Trump: sorrisos de poucos segundos, abraços midiáticos e promessas de “encontro na semana que vem” para apagar, num passe de mágica, meses de agressões comerciais e insultos diplomáticos. Enquanto o presidente Lula denunciava em altos brados a erosão do multilateralismo e as intervenções unilaterais que ferem a soberania dos povos, o representante máximo do imperialismo econômico fez o que sabe fazer de melhor: reduz o conflito à boa impressão pessoal — como se relações entre países dependessem de simpatia instantânea e não de respeito aos interesses nacionais e igualdade entre Estados.
Tensão e gestos superficiais
O breve encontro entre os dois, relatado com deleite por Trump, contrasta com a dura realidade das medidas aplicadas pelos Estados Unidos. “Eu estava entrando (no plenário da ONU), e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos… Concordamos que nos encontraríamos na semana que vem”, disse Donald Trump. E mais: “Não tivemos muito tempo para conversar, tipo uns 20 segundos (…). Mas ele pareceu um homem muito legal. Ele gostou de mim, e eu gostei dele. (…) Tivemos uma excelente química”, afirmou o presidente americano.
Do outro lado, Lula não perdeu a coerência nem a firmeza. Ele utilizou a tribuna da ONU para denunciar práticas que atacam a autonomia dos povos e para lembrar que o Brasil não se ajoelha: “Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra”, disse o presidente. Antes disso, em resposta às tarifas anunciadas pelos EUA, Lula havia sido taxativo: “Somos um país que não tolera ameaça à democracia, que não abre mão de sua soberania, que não bate continência para nenhuma outra bandeira que não seja a bandeira verde e amarela”, declarou.
As medidas adotadas por Washington — primeiro uma lista de tarifas e depois o chamado “tarifaço” de 50% sobre produtos brasileiros — não são apenas números frios: são ataques às nossas indústrias, ao trabalho e à capacidade do país de negociar de igual para igual. Lula, com a autoridade de quem já enfrentou o mercado e a direita, deixou claro que não vai se humilhar: “Pode ter certeza de uma coisa: o dia que a minha intuição me disser que o Trump está disposto a conversar, eu não terei dúvida de ligar para ele. Mas hoje a minha intuição diz que ele não quer conversar. E eu não vou me humilhar”, afirmou o presidente.
Enquanto isso, a Casa Branca ressoa discursos paternalistas e imperialistas: “Ele (Lula) pode conversar comigo quando quiser. Vamos ver o que acontece. Mas eu amo o povo do Brasil”, disse Trump em agosto, numa mistura de condescendência e vaidade. E quando a retórica já não disfarça as sanções, o porta-voz insiste: “O presidente (Trump) certamente não está tentando ser o imperador do mundo. Ele é um presidente forte… e também é o líder do mundo livre”, respondeu a Casa Branca à crítica de Lula.
A realidade, porém, é mais dura que as selfies diplomáticas: tarifas bilionárias, pressão sobre nossas cadeias produtivas e tentativas de rebaixar o Brasil no tabuleiro internacional. É preciso montar uma defesa firme da soberania, fortalecer nossas estatais, proteger empregos e garantir que as negociações ocorram em pé de igualdade, e não mediante bajulações ou humilhações. Não queremos favores, queremos respeito. Não aceitaremos decisões unilaterais que ataquem nossa economia e nossa democracia.
Mais do que gestos, o momento exige estratégia: unidade nacional contra ataques econômicos, capacidade de diálogo com parceiros multilaterais comprometidos com regras, e uma postura firme para que o Brasil não se torne moeda de troca em disputas geopolíticas. Ao mesmo tempo em que ironizamos a pantomima dos abraços relâmpago, precisamos transformar a indignação em política concreta — e o PT, com Lula à frente, tem responsabilidade histórica de não ceder às chantagens do grande capital internacional.
O encontro “na próxima semana” pode até acontecer, mas não será com autógrafos de vaidade: será com a cabeça erguida, condições claras e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro. Quem pensa que diplomacia se resolve com química pessoal e elogios públicos ainda não entendeu que soberania se reconquista com trabalho, organização e força política.