Ao dar o primeiro passo para ativar a Lei de Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, o Itamaraty formalizou, em ofício enviado à Câmara de Comércio Exterior (Camex), a abertura de consultas que podem culminar em contramedidas — e fez bem! Não dá para aceitar passivamente que Washington trate o Brasil como terreno de jogo político, impondo tarifas como se fossem ordens oficiais de uma potência imperial. “A utilização ou a ameaça de utilização de medidas tarifárias como instrumento de pressão sobre procedimentos e decisões adotadas por cortes brasileiras denota clara tentativa de ingerência sobre assuntos internos do Brasil.” — Itamaraty
A Camex terá até 30 dias para avaliar alternativas de resposta ao chamado “tarifaço” anunciado por Donald Trump, e o governo Lula não chega a Brasília de mãos vazias: ministros e técnicos já levantaram setores sensíveis — óleo e gás, farmacêutico e agrícola — onde as contramedidas podem ser mais contundentes. Segundo apurou o blog de Ana Flor, o próprio presidente Lula pediu avaliações técnicas sobre opções de retaliação. Entre as medidas em estudo está a possibilidade — ousada e justa — de suspender direitos de propriedade intelectual, inclusive a quebra de patentes de medicamentos e defensivos agrícolas, para proteger a vida e a soberania nacional.
Não temos de ajoelhar diante de bilionários e paranoias geopolíticas americanas. É hora de reafirmar que a soberania é um bem público, não mercadoria para negociatas de mercado. O que está em jogo aqui não é apenas uma disputa comercial; é a defesa do direito do Brasil de decidir sobre suas leis, suas cortes e seu modelo de desenvolvimento.
Tarifaço
O imposto adicional sobre produtos brasileiros exportados aos EUA entrou em vigor em 6 de agosto, depois de uma carta de Trump que, pasmem, condicionou a medida às investigações sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro por envolvimento em tentativa de golpe em 2023. A intervenção explícita de Washington — selecionando produtos e montando listas de exceções que incluem suco de laranja, petróleo, peças de aeronaves, madeira e aço — é uma forma rasteira de pressão política. Mesmo assim, itens-chave como o café, uma das nossas principais exportações para o mercado americano, foram duramente afetados. É o tipo de política que pune trabalhadores e pequenos produtores para reforçar chantagens geopolíticas.
Os golpes econômicos costumam vir embrulhados em discursos sobre segurança ou justiça; a verdade é que visam preservar privilégios de corporações e fortunas. O capital americano usa tarifas como instrumento de intimidação — e o Brasil precisa responder com firmeza, e com justiça social.
Defender a possibilidade de medidas como a quebra de patentes não é “populismo irracional”; é um instrumento legítimo de resistência contra práticas que transformam medicamentos e sementes em monopólio de lucro, enquanto a fome e a doença batem à porta de milhões. Defender estatais, impedir novas privatizações e fortalecer políticas industriais é a resposta lógica: se os EUA querem guerra comercial, que encontrem um Brasil soberano pronto para se proteger e para proteger seu povo.
Não se trata apenas de reagir a um ataque externo, mas de aproveitar o momento para colocar na ordem do dia um projeto de desenvolvimento que rompa com velhas alianças neoliberais. Lula e o PT têm hoje a oportunidade — e a responsabilidade — de empurrar essa disputa para além do cálculo puramente eleitoral e transformá-la numa plataforma de recomposição do Estado e de ampliação dos direitos populares.
O desafio é grande: enfrentar a pressão dos EUA, desmontar as redes da extrema direita interna e resistir aos interesses de grandes conglomerados que lucram com as privatizações. Mas se há algo que a história nos ensina é que quando o povo se organiza, ninguém segura a transformação. E então, vamos permitir que um presidente estadunidense dite o que fazemos dentro de casa — ou vamos responder com firmeza e soberania popular?