A cena é clara: enquanto corpos são velados em Gaza e jornalistas mortos choram no silêncio que a barbárie cria, a diplomacia oficial vira jogo de cena. O governo israelense anunciou que vai “rebaixar” as relações com o Brasil depois que Brasília deixou no limbo o pedido de agrément para um novo embaixador — uma resposta política em pleno espetáculo de hipocrisia internacional. Neste embate, o Brasil de Lula não se curva às pressões e mostra que solidaridade com povos oprimidos tem custo — e que estamos dispostos a pagar.
Não houve veto
Tecnicamente, o agrément é um protocolo: um país indica um diplomata e o país receptor aceita ou recusa. O Itamaraty, no caso, não respondeu ao pedido de Israel para aprovar Gali Dagan, indicado em janeiro. Para piscou de diplomacia, omissão equivale a recusa. Israel decidiu retirar a indicação e avisou que não submeterá outro nome, além de comunicar que passará a tratar o Brasil “em um patamar inferior” diplomaticamente — uma postura petulante e previsível de quem acha que intimida com buzina e artilharia.
“Após o Brasil, excepcionalmente, se abster de responder ao pedido de agrément do embaixador Dagan, Israel retirou o pedido, e as relações entre os países agora são conduzidas em um nível diplomático inferior”, disse o Ministério das Relações Exteriores de Israel, conforme reportagem do The Times of Israel. E lá vamos nós, de novo, testemunhar a diplomacia como campo de revanche, enquanto bombas continuam a cair.
“Não houve veto. Pediram um agrément e não demos. Não respondemos. Simplesmente não demos. Eles entenderam e desistiram. Eles humilharam nosso embaixador lá, uma humilhação pública. Depois daquilo, o que eles queriam?” avaliou Celso Amorim, assessor da Presidência e ex-chanceler. As palavras de Amorim não são protocolarismo: são um tapa na cara daquela diplomacia performática que mistura museu do Holocausto com retaliação política.
Não podemos aceitar um genocídio, que é o que está acontecendo. A afirmação de Amorim é pedra de toque: não se trata de anti-semitismo, trata-se de condenar crimes contra a humanidade. Defender a vida dos palestinos não é crime; é política de humanidade.
Lula virou alvo — e declarado “persona non grata”
O episódio tem raízes: em fevereiro de 2024, após Lula comparar a resposta israelense aos ataques de outubro com práticas nazistas, o governo israelense declarou o presidente brasileiro “persona non grata”. “A linha crítica e hostil que o Brasil demonstra em relação a Israel desde 7 de outubro se intensificou a partir do momento em que o presidente Lula comparou as ações de Israel às dos nazistas. Em resposta, Israel ‘o declarou persona non grata’”, afirma a chancelaria israelense. Resultado: ressentimento oficial, cortina de ferro diplomática e ressentimento de quem confunde críticas com inimizade pessoal.
O Brasil retirou em maio de 2024 seu embaixador em Tel Aviv e mantém o cargo vago desde então. Não é gesto de isolamento: é postura política. Lula e o PT não são meros operadores de gabinetes; são, como sempre afirmamos, peças centrais de uma nova etapa de luta anticapitalista no Brasil — e dispostos a enfrentar bilionários, privatistas e o alinhamento automático com regimes que violentam povos.
Não há dúvida: a direita internacional, com seus lobbies, suas narrativas simplistas e seu carinho por regimes autoritários, torce para ver o Brasil isolado. Mas quem protege o direito à vida e denuncia genocídio não busca aplauso nos salões, busca coerência política. A hipocrisia de levar um embaixador ao museu para “dar lição” e, simultaneamente, mandar bombas sobre hospitais revela a máscara: eles preferem encenações a responsabilidades.
Enquanto isso, aqui, o governo brasileiro escolhe um caminho que sacode o status quo — irrita os íntimos de Netanyahu e provoca os mercadores da diplomacia subserviente. Que fique claro: solidariedade não é fraqueza, é princípio. E se isso significa conduzir relações diplomáticas em outro nível, que assim seja; a nossa prioridade é a vida e a luta contra o avanço das forças reacionárias que preferem armas a justiça.