A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal abriu na terça-feira (2) o julgamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus pela tentativa de golpe de Estado em 2022. O processo, que veio da denúncia apresentada em fevereiro e virou ação penal em março, entrou em pauta com os ministros se debruçando sobre provas, relatos e defesas — enquanto a direita se contorce tentando transformar o óbvio em “teoria da conspiração invertida”. É hora de acompanhar com atenção: não se trata apenas de um episódio jurídico, mas de um teste político sobre quem comanda a narrativa democrática no Brasil.
Os primeiros dias: cenas, defesas e o relatório
No primeiro dia, o desembarque formal foi feito com explicações do ministro Cristiano Zanin sobre o rito do julgamento, seguido da leitura completa do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes — peça central que orientou a análise das provas. A PGR apresentou o núcleo da acusação: articulação para impedir a transição democrática, atos coordenados que visavam tirar do povo o direito de decidir e golpear instituições. Depois vieram as defesas iniciais: advogados de Mauro Cid, de Alexandre Ramagem, do almirante Almir Garnier e de Anderson Torres tentaram desmontar a narrativa acusatória. Foi, em muitos momentos, exibição de acrobacia retórica para encobrir contradições registradas em mensagens, ordens e encontros.
No segundo dia, ouviram-se as defesas do general Augusto Heleno, dos advogados de Jair Bolsonaro — Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno —, e das defesas dos generais Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto. Cada defesa tentou, com artifícios variados, transformar coordenação em coincidência e planejamento em “erro de comunicação”. Não cola. A sociedade viu o que viu: movimentações de poder, uso de cargos e tentativas claras de manipular forças de segurança e opinião pública. A democracia não é jogo de cena nem roteiro para salva-vidas do bolsonarismo; é assunto de instituições e do povo.
Ao longo das sessões foram exibidos vídeos, relatórios e um infográfico com o mapa da trama — quem fez o quê e quando. Os elementos documentais, somados aos depoimentos e à cronologia das ações, deram ao processo a dimensão política que sempre teve. Não se trata de ódio pessoal contra um ex-presidente: trata-se de responsabilizar uma máquina que tentou destruir o Estado de Direito. E responsabilizar é condição para reconstruir. Sem responsabilização não há prevenção: permitir impunidade seria abrir porta para novas aventuras golpistas.
Para nós, que militamos na esquerda e queremos transformar política em ferramenta de emancipação, o julgamento tem outra camada: é também verificação das forças políticas que teremos pela frente. O bolsonarismo, com sua rede de ódio e mídia chapa-branca, tentou se legitimar pela violência institucional. Cabe ao campo popular e democrático transformar cada sentença e cada argumento jurídico num aprendizado prático. Lula e o PT — apesar das ambivalências e da necessidade de radicalizar ainda mais a luta anticapitalista — ocupam um lugar central nessa nova etapa: não apenas como alternativa eleitoral, mas como protagonistas de uma ampla frente democrática que precisa crescer, organizar e desmantelar a direita politicamente.
O desfecho da Primeira Turma terá impacto simbólico e prático. Se absolvê-los, o Brasil dará um recado perigoso ao autoritarismo; se condená-los, abre-se caminho para reconstruir confiança nas instituições. Mas sabemos que a luta não termina no tribunal: é também nas ruas, sindicatos, universidades e nas urnas que se decide o próximo capítulo. Não podemos delegar apenas ao Supremo a tarefa de preservar a democracia — a preservação é uma responsabilidade coletiva, e a esquerda precisa estar à altura desse desafio, com unidade e projeto popular.
Acompanhe cada sessão, leia os autos, participe das discussões. A direita tenta reciclar-se em novas estratégias; nós precisamos, com coragem e organização, desmantelar politicamente esse projeto e avançar na construção de um Brasil democrático e soberano.