A uma semana da abertura da Assembleia Geral da ONU, o Brasil chega a Nova York com a responsabilidade de romper o jogo sujo das potências e colocar na mesa a voz dos povos — e, vejam só, parte da delegação ainda corre atrás de visto para entrar nos Estados Unidos. Isso já diz muito sobre a lógica imperial: enquanto governos e corporações mandam navios e tarifões, nossos representantes às vezes são tratados como inconvenientes logísticos. Lula vai abrir o debate geral na terça-feira (23) e, como sempre, traz na mala um projeto de soberania, defesa das estatais e um convite claro ao multilateralismo que a direita golpista nunca quis ouvir.
Soberania e o “tarifaço” de Trump
Lula entra na ONU como porta-voz de um Brasil que não aceita chantagens. Depois do anúncio de sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, uma medida tão sutil quanto um tapa na cara do comércio e da democracia, o governo brasileiro prepara um discurso que reafirmará a independência do país e a defesa do Estado de direito. O tarifão foi gesto político: uma tentativa atabalhoada de interferir no contexto político brasileiro — inclusive em casos onde Bolsonaro, agora condenado por tentativa de golpe, tenta usar toda sorte de blindagem. Não é com insultos protecionistas que se resolve crise institucional nenhuma. E Lula, com a experiência e calma de quem conhece o jogo, deverá marcar sua posição sem cair em provocações gratuitas.
A possibilidade de cruzar pelos corredores da ONU com Donald Trump é o detalhe que rende piada e atenção. Enquanto a extrema-direita global xinga, pressiona e invenções, o Brasil pode responder com diplomacia firme — e com a coragem de quem não negocia soberania por lucro de bilionários.
Esquenta para a COP30
A outra frente de Lula será o clima — e aí sobra razão para criticar os ricos que seguem falando bonito e pagando pouco. Como anfitrião da COP30, o governo brasileiro vem exigindo financiamento real para proteção de florestas tropicais como a Amazônia. Não queremos bom-mocismo; queremos compromisso financeiro, tecnologia e respeito à soberania dos povos amazônicos. Não aceitamos a chantagem ambiental disfarçada de ajuda: ou se investe para preservar, ou se cala quem só vem pra militarizar e pilhar.
Lula tem compromisso público de zerar o desmatamento até 2030 e vai cobrar metas mais ambiciosas dos países ricos, além de reafirmar que segurança e soberania regional não aceitam movimentações militares externas no Caribe. É a hora de transformar promessas em recursos, e não em manchetes vazias.
Ucrânia, Faixa de Gaza e reformas multilaterais
No roteiro diplomático, haverá espaço para pedir cessar-fogos e reformas nos organismos internacionais, em especial no Conselho de Segurança da ONU. Lula defende negociações que incluam todas as partes — inclusive a Rússia no caso da Ucrânia — e a busca por soluções políticas. Sobre a tragédia na Faixa de Gaza, o presidente tem sido claro: condenar o terrorismo do Hamas não é sinônimo de aceitar uma resposta que condene um povo inteiro. O Brasil, sob sua liderança, insiste na criação de um Estado palestino que possa conviver com Israel e evitar a escalada que só serve aos lucros da indústria bélica.
Esse discurso é a chance de recolocar o Brasil como ator com projeto popular no exterior, um país que não se submete a fartas demonstrações de poder bruto e que, ao contrário da direita bolsonarista, aposta em políticas públicas, estatais fortes e ausculta real das comunidades.
Lula vai falar — e o mundo ouvirá. Resta saber se a esquerda brasileira e os movimentos populares estarão prontos para transformar esse prestígio internacional em avanço concreto aqui dentro: mais investimento público, reforma das instituições para servir ao povo, e uma ofensiva política para desmantelar a influência dos bilionários e da extrema-direita. É hora de sair da arquibancada e entrar na construção coletiva. Afinal, soberania não se pede — se reconquista.