O país perdeu Luis Fernando Veríssimo aos 88 anos — e o governo federal reconheceu a importância do autor com decreto de luto nacional de três dias. “É declarado luto oficial em todo o País, pelo período de três dias, contado da data de publicação deste Decreto, em sinal de pesar pelo falecimento de Luis Fernando Verissimo, escritor, cronista e humorista brasileiro”, registrou o Diário Oficial sob a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não é exagero: Veríssimo ocupou um lugar raro na cultura brasileira, capaz de fazer rir e, ao mesmo tempo, abrir feridas onde nascia o autoritarismo.
Trajetória e legado
Luis Fernando construiu uma carreira que atravessou jornais, livros e televisão, sempre com um olhar irônico e refinado sobre a sociedade. Começou como revisor no Zero Hora, em 1966, passou pelo trabalho como tradutor no Rio, e publicou, em 1973, seu primeiro livro, O Popular. Ao longo da vida, mais de setenta títulos chegaram às prateleiras e foram vendidos em grande quantidade: 5,6 milhões de livros, entre crônicas, contos, romances e quadrinhos. Escreveu colunas para O Estado de S. Paulo, O Globo e Zero Hora; criou personagens que entraram para o imaginário — o Analista de Bagé, As Cobras, Ed Mort — e levou sua graça ao grande público com a Comédia da Vida Privada.
Lula, ao lamentar a perda, resumiu bem a dimensão do autor: “Luis Fernando Veríssimo, um dos maiores nomes de nossa literatura e nosso jornalismo, nos deixou hoje aos 88 anos de idade. Dono de múltiplos talentos…” A política do gesto importa: reconhecer cultura é também disputar o sentido da memória nacional, especialmente num tempo em que a direita quer desqualificar educação pública, cortar bibliotecas e transformar cultura em mercadoria. Veríssimo foi, pela ironia e pelo humor, uma pedra no sapato dos autoritários — e é isso que precisamos lembrar com força!
Mesmo conhecido pelo riso — que desarmava pretensões e ridicularizava hipocrisias — Veríssimo soube usar a palavra como denúncia. Seu humor cortava a ditadura e resistiu à visão autoritária que ainda ganha ecos na nossa política. Hoje, é tarefa de quem acredita num projeto popular e democrático transformar esse legado em força viva: defesa da cultura pública, das estatais que sustentam políticas culturais e da educação que forma leitores críticos.
Veríssimo sofreu problemas de saúde nos últimos anos: Parkinson, um marcapasso em 2016 e um AVC em 2021 que deixou sequelas motoras e de comunicação. Internado na UTI do Hospital Moinhos de Vento desde 11 de agosto, morreu na madrugada do dia 30 por complicações de uma pneumonia. Era discreto; vivia na casa onde cresceu, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre — o escritório de casa foi preservado pela família, cercado de livros, discos e o saxofone. Sobre seu apreço pela música, disse em 2012: “Música é sentar e ouvir” — uma frase simples que revela um artista profundo e exigente.
Ler e lembrar Veríssimo não é só homenagem estética: é ato político. Em tempos de ataque às instituições, de nostalgia autoritária e de ofensivas neoliberais que querem transformar tudo em negócio, a cultura pública e a crítica mordaz são instrumentos de resistência. Como militante e como jornalista, não me satisfaz um lamento manso: é preciso carregar adiante a bandeira da democracia, da defesa das estatais e de um projeto popular que dê à cultura o lugar que ela merece.
Luis Fernando partiu, mas deixou um arsenal de inteligência, ironia e compaixão. Cabe a nós, à esquerda organizada e aos leitores, transformar essa herança em ação — fortalecendo políticas públicas, combatendo a direita rasteira que sempre quis domesticar o riso e lembrando que a cultura é terreno de luta. Afinal, se a direita acredita que pode amordaçar o país com cortes e mentiras, responda-se com leitura, resistência e mobilização — como Veríssimo tantas vezes nos ensinou.