A Polícia Federal trouxe à tona, nesta segunda-feira (15), mais um episódio sintomático das entranhas podres que infestam nossos serviços públicos: seis quadros apreendidos em São Paulo na Operação Cambota foram atribuídos a nomes consagrados da arte brasileira, como Emiliano Di Cavalcanti e Tomie Ohtake. A operação, que investiga um esquema que pode ter desviado até R$ 6,3 bilhões dos benefícios do INSS, recolheu também esculturas e objetos de luxo — um patrimônio que, ao que tudo indica, foi irrigado com o suor e a miséria de aposentados roubados. Quem diria que a arte serviria de cofre para quem saqueia a previdência popular?
Operação Cambota
Segundo a PF, cinco obras parecem ser de Di Cavalcanti e uma de Tomie Ohtake; peritos indicam ainda a possível presença de telas de Portinari, além de peças atribuídas a Orlando Teruz, Dario Mecatti e esculturas de Flory Gama. Entre as estátuas, há até réplicas de clássicos como “O Pensador” de Rodin e peças sensuais de Bruno Zach, além de animais assinados por Thomas Cartier. Se confirmada a autenticidade, estamos falando de milhões que saíram do bolso de aposentados para enfeitar a sala do corrupto de plantão.
A identificação das obras, como lembram especialistas, é um processo técnico: análise com luz UV, microscopia da pincelada, análise de pigmentos por fluorescência de raios X e espectroscopia Raman.
Como é feita a identificação de uma obra?
Essas etapas determinam autoria, época e materiais usados e só podem ser atestadas por peritos e curadores. “Obras de Portinari podem ser avaliadas entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões, dependendo do tamanho, da técnica e da fase de produção”, disse Suzana Pirani Meyer Castilho Garcia, perita especialista em obras de arte da Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo.
As apreensões ocorreram em endereços ligados ao advogado Nelson Wilians e ao empresário Maurício Camisotti — este último preso em São Paulo — e também miraram Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como o “Careca do INSS”, apontado como lobista facilitador do esquema. Em Brasília foram recolhidos veículos e quantias em espécie. Os mandados (duas prisões preventivas e 13 buscas) foram expedidos pelo ministro do STF André Mendonça, no desdobrar de uma investigação que começou na CGU em 2023 e avançou à Polícia Federal em 2024. Não se trata só de obras de arte ou de cifras: trata-se de vidas de aposentados que viraram moeda de troca para quadrilhas.
O modus operandi, segundo a PF e a CGU, era vergonhoso e cruel: pagamento de propina a servidores do INSS, uso de assinaturas falsificadas para autorizar descontos e criação de associações de fachada que cadastravam idosos sem consentimento para descontar mensalidades na folha. Havia casos de aposentados filiados no mesmo dia a mais de uma entidade, com erros de grafia idênticos — padrão claro de fraude sofisticada e organizada.
As defesas se pronunciaram. “A defesa do empresário Maurício Camisotti afirma que não há qualquer motivo que justifique sua prisão… Os advogados chamam a atenção para a arbitrariedade cometida durante a ação policial: Camisotti teve seu celular retirado das mãos no exato momento em que falava com seu advogado. Tal conduta afronta garantias constitucionais básicas e equivale a constranger um investigado a falar ou produzir prova contra si próprio”, afirmou a nota da defesa de Camisotti. “Em relação ao mandado de busca e apreensão cumprido nesta data, Nelson Wilians esclarece que tem colaborado integralmente com as autoridades e confia que a apuração demonstrará sua total inocência… Os valores por ele transferidos referem-se à aquisição de um terreno vizinho à sua residência, transação lícita e de fácil comprovação”, diz a nota da defesa do advogado Nelson Wilians.
O episódio exige mais do que indignação: pede punição rigorosa, recuperação do que foi desviado e medidas estruturais para blindar o INSS contra a sanha privatista e a gangue dos espertalhões. Basta de entregar o Estado às mãos de bilionários e de aventureiros da direita que querem privatizar e depenar o pouco que ainda garante dignidade ao povo! É hora de fortalecer as instituições públicas e acompanhar de perto as perícias das obras — que a arte não seja apenas o luxo dos ladrões, mas a possibilidade de justiça recuperada para quem mais sofreu.