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Metade das armas registradas por CACs no Brasil são de uso restrito, revela Polícia Federal

Desde que a Polícia Federal assumiu, em 1º de julho, o controle dos registros dos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) — antes responsabilidade do Exército — ficou mais claro um fato que qualquer pessoa minimamente atenta já desconfiava: as armas no Brasil mudaram de perfil e ganharam potência. Os dados públicos que a PF liberou mostram um cenário tão óbvio quanto perigoso: 1,5 milhão de armas registradas com os CACs e uma fatia relevante delas classificada como de uso restrito. Quem puxou esse movimento e por quê? A resposta tem dono e endereço político.

Números e mudanças no perfil das armas

Segundo a base da PF, há atualmente 978 registros individuais ativos entre os CACs no país (dados que ainda precisam ser lidos com cuidado pela forma de apresentação). Do total de armas, 755 mil aparecem como de uso controlado — pouco mais de 50% — e a grande estrela desse catálogo é a pistola 9mm: 461 mil unidades. A 9mm se tornou a arma mais presente, legal e ilegalmente. Em menor escala, aparecem cerca de mil metralhadoras e outras peças exóticas, além de 16 canhões e 6 morteiros — um retrato grotesco da banalização armamentista.

As demais 752 mil armas registradas como de uso permitido também chamam atenção: 250 mil carabinas/fuzis (sendo 212 mil de calibre .22) e 202 mil espingardas (159 mil de calibre 12). Ou seja, não se trata apenas de quantidade, mas de calibre e capacidade de fogo circulando no país.

O salto da 9mm sobre os tradicionais revólveres .38 e .380 não é acaso. A flexibilização implementada pela extrema-direita no biênio 2019–2022 colocou no mercado civil calibres e modelos antes restritos — e, claro, multiplicou as oportunidades de evasão para o mercado ilegal. O afrouxamento das regras foi um presente da extrema-direita armamentista ao crime.

“O período de flexibilização do Bolsonaro aumentou o poder de fogo nas mãos da população, com armas de calibres mais potentes, com maior energia e com maior número de pistolas em circulação. São armas que têm maior quantidade de munições” – Roberto Uchôa, especialista em controle de armas e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

A própria dinâmica de circulação explica parte da emergência da 9mm: por ser pistola, comporta de 12 a mais de 20 munições no pente, enquanto revólveres levam de 5 a 8 projéteis. O uso de pente facilita recarregamento; a munição de 9mm tem quase o dobro da energia da .380 e maior capacidade de penetração — fatores que a fizeram desejada tanto no mercado legal quanto no paralelo.

“Em pouco tempo, ela se torna a arma mais vendida do Brasil” – Roberto Uchôa, especialista em controle de armas e conselheiro do FBSP.

Os números do mercado ilegal confirmam o efeito prático: enquanto em 2018 apenas 11 unidades de 9mm foram apreendidas/roubadas/ perdidas, em 2024 esse número saltou para 1.377 — sinal claro de que a flexibilização não só expandiu vendas legais, como abasteceu redes criminosas.

“[O calibre 9mm] é tão restrito no Brasil que, em determinada época, somente a Polícia Federal e os militares tinham acesso, nem as outras forças de segurança tinham” – Roberto Uchôa, especialista em controle de armas e conselheiro do FBSP.

O recuo do governo federal em 2023, restaurando restrições, foi uma correção necessária — obra política que deveria merecer apoio popular e ser aprofundada. Não se resolve o problema apenas trocando quem assina as portarias: é preciso desmantelar a cultura armamentista promovida pela direita, controlar fabricação e comércio, e fortalecer políticas públicas que enfrentem causas sociais da violência.

A disputa é política e simbólica: enquanto a direita aplaude a “liberdade de arma” como fetiche, quem quer um país mais seguro precisa virar essa página antissocial. O Estado não pode ser cúmplice na multiplicação do poder de fogo na rua. Se a re-restrição da 9mm sinaliza um avanço institucional, que venha junto um projeto transformador que ataque as raízes da violência — e não apenas gerencie suas consequências. Quem acha que segurança se resolve com mais armas, claramente está do lado errado da história.

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