A manhã em Belém foi uma pequena tempestade necessária contra a canalhice parlamentar: milhares ocuparam a Praça da República e arrancaram seu grito das vozes do povo — contra a PEC da Blindagem e contra qualquer tentativa de anistiar os golpistas do 8 de janeiro. Não foi passeio cultural: foi política consciente, com artistas, sindicatos, coletivos culturais e estudantes marchando lado a lado para dizer o óbvio: impunidade jamais!
O ato e suas vozes
O cortejo saiu do Theatro da Paz e seguiu pelo centro até a Estação das Docas/Ver-o-Peso, reunindo uma pluralidade viva que os conservadores tentam sempre reduzir a rótulos. Teve música (Keila Gentil, Aíla, Raidol, Jeff Moraes, e tantos outros), teve Marco Nanini entoando palavras de ordem — e teve gente comum recuperando a praça como espaço de luta. Quando a arte se mistura com a política, a direita treme: não há marketing que segure uma canção contra a corrupção e o autoritarismo.
No microfone, vozes comprometidas com a democracia disseram o que precisava ser dito. “O protesto de hoje não depende de partido político. Ele é contra o que os deputados federais fizeram com a votação da PEC da Blindagem e em defesa da democracia, na luta contra a impunidade dos parlamentares” — Rafaela Lassance. Ao lado, uma lembrança simples e poderosa: “Se a sociedade não for para as ruas, nada vai mudar. Ditadura nunca mais. Precisamos celebrar diariamente a democracia conquistada a duras penas. Estar aqui hoje é fundamental: cada brasileiro tem que fazer a sua parte. Sem anistia, sem PEC da bandidagem” — Rosana Magno.
O que está em jogo
A PEC, costurada pelo Centrão — esse mesmo grupo que fecha negócios nas sombras e vende o país por cargos — quer criar um escudo para parlamentares. É café-com-leite diante do perigo real: a cristalização de um novo privilégio que coloca deputados e senadores acima do alcance da Justiça. Não por acaso, a Câmara aprovou a proposta com números alarmantes: 353 a 134 no primeiro turno. E o que dizer dos 12 deputados do PT que votaram a favor no 1º turno? Erraram, e precisam responder politicamente por isso. Ao mesmo tempo, não podemos confundir falhas pontuais com o projeto maior que o PT, liderado por Lula, representa: avançar é derrotar a direita, fortalecer as estatais e recusar privatizações que só enriquecem bilionários.
Do outro lado, a pauta do PL e seus aliados: anistia ampla para os participantes do ataque antidemocrático de 8 de janeiro. É uma proposta que cheira a perdão para facínoras que tentaram destruir nossas instituições. Quem defende isso, defende um Brasil de impunidade e retrocesso. Deixar que se normalize a anistia seria enterrar a democracia por decreto.
A corda bamba agora segue para o Senado, onde há resistência e onde devemos concentrar a pressão popular e política. Não basta reclamar no Twitter: é preciso manter os pés nas ruas, as mãos nos atos e a memória ativa sobre quem traiu, quem vacilou e quem resistiu.
A lição de Belém foi clara: não aceitaremos blindagens, não aceitaremos perdões de ocasião e não permitiremos que a política volte a ser buffet para os poderosos. É preciso empurrar o Congresso contra a parede e exigir responsabilidade — inclusive dos nossos representantes. A esquerda tem obrigação de liderar essa resposta, exigir voto claro e construir uma alternativa de poder que vá além de meras administrações, rumo a uma ofensiva popular que proteja serviços públicos, estatize o que precisa ser de todos e jogue os bilionários para fora do jogo político. Se as ruas se mantiverem aquecidas, a reação será possível. E então, quem dirá que a democracia não tem voz? Quem dirá que o povo não aprendeu a partir?