O Supremo foi à praça pública — ou pelo menos ao feed dos influenciadores — para cumprir o que deveria ser óbvio: responsabilizar redes e criminosos digitais que exploram crianças, atacam reputações e alimentam a máquina de desinformação que garante oxigênio político para a extrema direita. Mas, como sempre, entre a necessidade de ação e o espetáculo institucional, há contradições que merecem ser apontadas e aproveitadas pela nossa militância.
O encontro e suas contradições
No evento com 26 influenciadores, o ministro Alexandre de Moraes defendeu a criação de varas e promotorias especializadas em crimes da internet, ideia que precisa ser cobrada e ampliada até virar política pública real. “O CNJ é muito importante nisso de coordenar o Poder Judiciário e, a partir disso, também auxiliar o Ministério Público”, disse Moraes, sinalizando a intenção de operacionalizar a recente decisão do STF que aumentou a responsabilidade das big techs. Não é pouca coisa: responsabilizar plataformas por conteúdos de terceiros é cortar o cordão umbilical que alimenta haters, milícias digitais e a propaganda bolsonarista que insiste em assombrar nosso país.
Moraes propõe um “combate orgânico” — expressão que soa bem aos ouvidos de quem luta contra o capital informacional concentrado nas mãos de bilionários. Quem lucra com o caos digital deve pagar pelo dano social, e o Estado, quando bem orientado, precisa agir. “Nós vamos ter um combate mais eficaz em relação à proteção das crianças e adolescentes”, prometeu o ministro, ao falar sobre a aplicação das novas regras para retirada de conteúdos que exploram ou sexualizam menores.
A secretária-geral do STF, Aline Osorio, também tentou emoldurar o tema como ponte de diálogo com a sociedade: “Talvez esse tema seja algo que possa nos unir. Podemos usar esse tema como uma primeira ponte para a sociedade que queremos”, afirmou. É uma ficção bonita se entendermos “sociedade que queremos” como uma sociedade livre da influência predatória da extrema direita e de plataformas que viram flechas contra a democracia. Mas cuidado: quem pensa que regulação e proteção são instrumentos neutros não conhece o campo de batalha — e nesse campo, a nossa esquerda precisa estar à frente das ações, empurrando medidas que protejam o povo, não que cerceiem vozes populares.
No café de relacionamento, o STF não perdeu o tom do espetáculo: o encontro rendeu o cumprimento entre Moraes e o humorista Mizael Silva, que ironiza ser “advogado do ministro”. “Você tá bem de advogado, estou precisando mesmo […] para me defender nos EUA”, disse Moraes em tom de brincadeira; “O visto vai ser renovado”, respondeu Mizael. A piada não apaga a gravidade: Moraes teve o visto revogado pelos EUA sob a administração Trump, medida que já dizia mais sobre a diplomacia servil aos norte-americanos do que sobre qualquer pretensa neutralidade judicial.
Além da teatralidade, houve propostas concretas: identificar quem financia e estrutura as operações de ódio e crime digital, evitar que apenas usuários pequenos sejam castigados e, claro, exigir das plataformas maior diligência. O projeto de lei na Câmara para criar varas especializadas acompanha esse movimento — mas não basta sancionar leis; é preciso que o Estado, sob liderança democrática e popular, implemente mecanismos que defendam infância, comunidade e democracia.
O momento exige coragem política e organização social. Se o Judiciário vai avançar, que seja empurrado pela nossa militância, pelo movimento popular, pelos sindicatos e pelo governo que representa a esperança democrática. Não podemos deixar que o combate à desinformação vire pretexto para autoritarismos seletivos — nosso alvo é claro: desmantelar a rede de ódio bolsonarista, proteger as nossas crianças e colocar os verdadeiros culpados onde devem estar: afastados do poder e responsáveis pelos danos que causaram.