A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de encaminhar para a Corregedoria as representações contra os parlamentares que ocuparam e paralisaram os trabalhos em protesto aliado ao bolsonarismo é um aceno vergonhoso ao contorno do problema — e uma tentativa clara de reduzir danos políticos aos golpistas. A estratégia do rito ordinário em vez do sumário serve, na prática, para esticar prazos, evitar suspensões imediatas e, quem sabe, permitir que a normalização democrática volte a conviver com a impunidade dos que ameaçam as instituições. Isso não é neutralidade: é conivência prática.
O rito escolhido e suas consequências
Motta defende a medida com ar de prudência institucional: “Como se trata de um evento, um momento em que a Casa teve a participação de vários parlamentares, eu acho que fazer isso por rito sumário seria, na minha avaliação, a medida não correta para o momento” — Hugo Motta. Na prática, optou pelo rito ordinário previsto em resolução — cinco dias úteis para defesa e mais 45 dias para o parecer do corregedor — em vez do rito sumário que rege a suspensão cautelar (48 horas para manifestação). Técnicos ouvidos pela imprensa já foram explícitos sobre o cálculo político por trás da decisão: “Motta despachou com base no rito ordinário, para que o corregedor não precisasse enquadrar todos os parlamentares na conduta mais grave, o que ensejaria uma suspensão cautelar.” — técnicos ouvidos pelo g1.
O resultado concreto foi tempo. Enquanto a ocupação do Plenário deixou os trabalhos interrompidos por 36 horas e o Senado por 47 horas, a opção por prazos longos dilui a sensação de urgência e permite que parlamentares alinhados ao bolsonarismo respirem — e tramem — sem consequência imediata. Não estamos diante de uma mera briga protocolar: trata-se de escolha política entre fechar os olhos para o fascismo parlamentar ou enquadrá-lo com rigor.
Pautas, chantagens e a farsa do “debate”
Motta tenta emendar uma imagem de equilíbrio, argumentando que não se pode ter “preconceito com pautas” e que interromper debates não seria bom para a Casa. “Interromper o debate acerca de pautas, quaisquer que sejam elas, não é bom para a Casa. Você está tirando o direito de que matérias sejam discutidas…” — Hugo Motta. Mas a hipocrisia salta aos olhos quando a obstrução foi usada como moeda de troca: a ocupação só terminou após negociação que incluiu — segundo relatos — a promessa de colocar em votação temas como anistia aos condenados do 8 de janeiro e a mudança no foro privilegiado. Motta negou repetidas vezes que houvesse acordo para levar a pauta adiante, mas a negociação mostrou como setores da direita tentam transformar chantagem institucional em agenda legislativa.
A proposta de anistia, que tende a perdoar os responsáveis pelos ataques aos Três Poderes, é uma afronta à memória democrática; a proposta sobre foro privilegiado representa uma manobra para afastar casos graves do alcance do STF. Tudo em nome de proteção a correntes que defendem o desmonte das estatais, a entrega do patrimônio público e a preservação dos bilionários aliados ao projeto autoritário. A soberania popular e a defesa das estatais não combinam com a leniência para com golpistas.
O que fica claro é que não é possível tratar essa agressão como um “evento” neutro. Ou se aplica o regime disciplinar com seriedade — com a celeridade que a lei prevê quando há risco à ordem democrática — ou se deixa aberto o caminho para novas tentativas de normalizar o golpismo.
Se a esquerda e os setores progressistas querem algo mais do que alternância eleitoral, é hora de pressionar por punição exemplar e por uma agenda pública que proteja as instituições e amplie direitos sociais. Lula e o PT, nas palavras de quem sempre lutou por um projeto popular autêntico, devem ser centrais nessa etapa: não apenas como alternativa eleitoral, mas como agentes de uma fase de enfrentamento ao capital concentrado e às alianças oligárquicas que hoje tentam reescrever as regras do jogo. O Parlamento não pode virar abrigo para baderneiros de toga parlamentar — e a resposta democrática tem que ser firme, pública e inegociável.