A articulação da oposição para aprovar a chamada PEC das Prerrogativas tem cheiro de blindagem institucionalizada: enquanto eles percebem que a PEC do Fim do Foro Privilegiado pode naufragar, já cantam vitória antecipada para garantir proteção ampla aos seus. Trata-se de uma tentativa óbvia de transformar a Casa em cofre e coautora da impunidade — com apoio até do presidente da Câmara e da base bolsonarista, claro. A disputa não é apenas jurídica; é um ataque direto ao mínimo de responsabilização democrática que resta no país.
O que está em jogo
A Constituição exige 308 votos na Câmara e 49 no Senado para aprovar PECs. A oposição, entretanto, diz ter mais de 360 votos para aprovar a PEC das Prerrogativas. “Nós já temos cerca de 360 votos para aprovar a PEC das Prerrogativas, teremos apoio em praticamente todos os partidos, esse é um tema que une boa parte da Câmara dos Deputados”, disse ao blog o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ). É curioso — ou não — ver um partido que respaldou e protegeu um ex-presidente com investigação em curso agora liderar a cruzada para elevar proteções ao aparelho legislativo. O presidente da Câmara, Hugo Motta, está no bonde e indicou o deputado Lafayette Andrada (Rep-MG) como relator. Resultado: o relatório vem sendo costurado em negociações até com ministros do STF, numa mistura que cheira a acordo de bastidores.
Os pontos mais explosivos? A PEC pode incluir o chamado “duplo grau de jurisdição” dentro do Supremo Tribunal Federal, que permitiria a quem for condenado na Primeira Turma recorrer ao plenário de onze ministros — uma regra que, convenientemente, beneficiaria exatamente Jair Bolsonaro caso venha a ser condenado. É a mesa posta da blindagem: criar regras sob medida para reduzir riscos jurídicos de aliados políticos. Além disso, a proposta prevê que a abertura de inquérito criminal contra parlamentares só aconteça com aval do Legislativo — ou seja, transformar a Câmara e o Senado em filtro político para investigações criminais.
Do outro lado, a PEC do Fim do Foro Privilegiado está na pauta, mas a avaliação corrente é que será derrotada. A ironia é cruel: em vez de reduzir privilégios, o Congresso busca ampliá-los seletivamente. Enquanto isso, o relator negocia com o STF ajustes no relatório — o que pode atrasar a entrega do parecer e a votação prevista. A oposição pressiona para votar ainda nesta quarta-feira, a fim de correr para o Senado na mesma semana, tentando virar casuísmo em velocidade recorde.
Como jornalista e militante, não consigo deixar de perguntar: por que tanta pressa? Porque quando se trata de blindar aliados, o tempo vira aliado também. A estratégia é clara: aprovar mudanças com quórum e apoio suficientes antes que a opinião pública e a mobilização popular percebam o tamanho do estrago. É um jogo de poder para manter um sistema político à prova de investigação e controle social.
Se a direita tenta consolidar um escudo institucional, quem quer democracia precisa reagir. Lula e o PT, garantes de uma alternativa eleitoral progressista, não podem se limitar a ser reação: devem conduzir e protagonizar uma campanha ampla contra essa ofensiva de blindagem. Mobilização social, articulação parlamentar e pressão pública precisam ser intensificadas — não há neutralidade possível quando se trata de preservar ou desmontar privilégios que ferem o Estado de Direito.
No fim das contas, estamos diante de um teste: a Câmara escolherá se funciona como espaço de representação popular ou como cofre para interesses privados e pessoais. Enquanto a oposição corre para blindar seus, cabe aos democratas, aos movimentos sociais e a quem acredita num projeto popular verdadeiro ocupar as ruas, as redes e o plenário político para que a Constituição não vire carta branca para a impunidade. A luta não é apenas jurídica — é política, e é urgente.