O Congresso se prepara para transformar o teatro do golpe em legislação: o chamado “pacote da impunidade” — costurado por bolsonaristas e acomodados— prevê que a Mesa Diretora da Câmara possa autorizar até a abertura de inquérito policial contra deputados e senadores. Depois do motim que ocupou a mesa do presidente Hugo Motta em defesa da prisão domiciliar de Bolsonaro, o recado é claro: se a justiça não favorece a direita, a direita quer cerceá‑la à força e depois legalizar o cerco. Não é reforma do Estado, é blindagem para os golpistas.
O que propõem e por que é perigoso
A negociação nasceu com o pedido explícito dos bolsonaristas por anistia aos réus dos atos de 8 de janeiro. O acordo que pôs fim à ocupação da mesa inclui uma PEC das Prerrogativas que, na prática, exige aval do Congresso para a abertura de ações penais contra parlamentares e restringe prisões em flagrante à lista de crimes inafiançáveis da Constituição. Outra peça do pacote quer transferir processos hoje no STF para instâncias inferiores — um verdadeiro jogo de empurra para tentar tirar da corte casos sensíveis, como o da tentativa de golpe em que Bolsonaro é réu. É a criminalização do combate à corrupção revertida em proteção institucionalizada para os corruptos.
Agora, com a ousadia típica de quem se sente acuado, parte do parlamento tenta incluir também a exigência de que a Câmara dê aval até mesmo para a abertura de inquéritos policiais — informação antecipada no programa Estúdio i. O texto final ainda não existe; será discutido numa reunião de líderes prevista para terça (12). Mas a pressa e a violência política dos atores envolvidos deixam pouco espaço para equívocos: não se trata de regulação técnica, e sim de manobra política para intoxicar e paralisar investigações.
Reações de instituições e implicações práticas não faltam. Ministros do Supremo classificaram a proposta como uma “aberração” e apontaram sua inconstitucionalidade. “É uma aberração”, disseram ministros do STF. Na Polícia Federal, a avaliação é igualmente dura: a mudança seria usada para asfixiar o trabalho de investigadores que já enfrentam contornos políticos na sua atuação. “A medida tende a asfixiar o trabalho da Polícia Federal”, afirmou fonte da PF.
Do lado dos aliados de sempre, o cinismo vem com pressa. Deputados do PL e aliados afirmam que Motta não terá saída a não ser pautar o pacote, com a anistia sendo vista como próximo passo. “Votação fast food”, afirmou uma liderança do PL. Como se decidir sobre impunidade, sobre o freio ao Judiciário e sobre a integridade da investigação criminal fosse coisa para drive‑thru.
O que está em jogo não é só o destino jurídico de alguns réus; é a definição de quem manda nas instituições. A direita radical tenta, com pressões de rua e manobras parlamentares, transformar a Câmara num tribunal de exceção para amigos e cúmplices. E enquanto isso, a leniência de setores do centro e da direita tradicional atua como elemento colaborador dessa ofensiva.
Precisamos de uma resposta política e popular à altura. Não basta confiar apenas na resistência do STF — que, sim, deve ser defendido quando enfrenta ataques autoritários —, é preciso mobilizar os sindicatos, os movimentos sociais, os setores progressistas e uma faixa maior da população contra esse plano de impunidade. Lula e o PT têm responsabilidade central aqui: não vejo apenas uma alternativa eleitoral neles, mas agentes fundamentais para forjar uma nova etapa de luta anticapitalista que coloque o Estado a serviço do povo e não dos bilionários e milícias políticas. Que opção vamos escolher: recuar diante da audácia golpista ou ocupar as ruas, as redes e os parlamentos para barrar legalização da impunidade? A hora é de combate.