O Brasil vive mais um daqueles episódios onde a política se transforma em espetáculo para proteger privilégios: enquanto milhões esperam alívio na conta de luz, parlamentares preferem discutir a velha e nojenta PEC da Blindagem — a proposta que busca aumentar a proteção dos próprios deputados contra a Justiça. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, correu ao Congresso para tentar evitar que a medida provisória que amplia a tarifa social e dá descontos na energia perca validade. A interseção entre urgência social e chantagem política nunca foi tão explícita.
“Eu estou confiante que vamos votar. Todos na Câmara estão conscientes, líderes estão conscientes, conversei com vários líderes que o prazo pro Senado votar é até amanhã. O Senado está com muita disposição de recepcionar a MP. Todos sabem da importância e a urgência de atender 60 milhões de brasileiros carentes com a medida social” — Alexandre Silveira
A verdade nua e crua é que a MP já está em vigor desde que foi assinada pelo presidente Lula em 21 de maio, mas se o Congresso não a chancela, tudo volta ao zero. O texto prevê que consumidores com renda per capita de até meio salário mínimo, cadastrados no CadÚnico e com consumo de até 80 kW/h por mês, terão a conta gratuita. Quem ganha entre meio e um salário mínimo e consome até 120 kW/h terá desconto de 12% graças à isenção da CDE — mecanismo que custeia subsídios do setor elétrico. Segundo o governo, 60 milhões de brasileiros terão isenção e cerca de 20 milhões, desconto. Foi pra isso que o presidente e o PT empurraram a medida — para proteger os mais pobres, não os lucros dos especuladores.
Mas aí entra o circo: Hugo Motta (Republicanos-PB) inclui a PEC da Blindagem na pauta e a Casa abre espaço para salvar parlamentares, não famílias. Enquanto isso, a direita — que prometia cortar privilégios e reduzir o Estado quando interessava à sua retórica — mostra a real face: proteger poder e milionários, atacar estatais e empurrar privatizações. Não à privatização! Não é à toa que setores conservadores sussurram sobre mercados livres e privatizações enquanto a conta de luz consome o orçamento popular.
Reforma do setor elétrico
O governo pretende levar ao plenário uma versão enxuta da MP, priorizando a tarifa social porque ela tem mais consenso. Temas mais estruturais, como o mercado livre de energia, ficariam para a MP 1304, com validade até novembro, onde se discutirão questões como um teto à CDE. O ministro disse que espera que, se a MP atual não seja aprovada na íntegra, ao menos sua essência seja absorvida pela 1304.
“Hoje o mercado livre compra energia 20% mais barato que o mercado regulado. E quem está no mercado regulado são as pessoas que recebem conta de energia em casa. É a classe média, é o comércio, a pequena indústria, então é natural que ela seja como um todo aprovada porque ela é uma MP que busca equilíbrio do setor” — Alexandre Silveira
Percebe-se aqui a hipocrisia: o mercado livre favorece quem tem condições de negociar — não o povo. Defender estatais e regulação é defender o interesse público contra a rapinagem dos bilionários. O setor elétrico não pode ser tratado como mercadoria para especulação quando água, luz e serviços básicos são o que mantêm a vida cotidiana.
A pressão agora é política. O governo espera que Câmara e Senado acelerem a aprovação para que Lula sancione a MP antes que ela vença. Mas enquanto deputados discutem blindagens e acordos escusos, o povo paga a conta. Essa escolha entre proteger parlamentares ou proteger famílias pobres deveria ser óbvia: quem governa a serviço do povo prioriza as necessidades sociais.
É hora de militância e cobrança: exigir que a Câmara vote a MP com prioridade e que o Senado confirme. É hora de apontar o dedo para aqueles que, sob pretexto de “ordem” e “mercado”, preferem blindar seus próprios privilégios. Lula e o PT mostraram que, quando pressionados e mobilizados, podem construir políticas que aliviam as massas — mas só com organização e luta popular é que derrotaremos as tentativas de entregar luz e outros serviços às garras do lucro privado. A fatura desta disputa política não pode chegar à mesa de quem já luta para sobreviver.