Vários deputados que, até ontem, batiam no peito e se declaravam defensores da “moralidade pública” agora correm às redes para pedir desculpas depois de terem votado a favor da famigerada PEC da Blindagem. Não é só vergonha: é o rastro de uma negociação suja, em que a chantagem e a barganha política mais rasteira se sobrepuseram ao interesse do povo. A proposta passou na Câmara por 353 a 134 no primeiro turno e 344 a 133 no segundo, e segue agora para o Senado — onde enfrentará alguma resistência, apesar do espetáculo de hipocrisia exibido na Câmara. Que ninguém se iluda: isso é blindagem pura e simples aos que querem escapar da Justiça.
Desculpas públicas e explicações tortas
A deputada Silvye Alves (União Brasil-GO) gravou vídeo dizendo que o voto foi um “erro gravíssimo” e culpou pressões internas. “Eu vim aqui, humildemente, pedir desculpas aos meus eleitores. Eu cometi um erro gravíssimo… comecei a receber muitas ligações de pessoas influentes do Congresso… disseram que, com a votação contra, eu sofreria retaliações. Eu fui covarde e cedi à pressão… Eu quero pedir perdão” — Silvye Alves. Traduzindo: cedeu à chantagem de uma máquina que protege os seus, enquanto o povo paga o preço. O espetáculo revela o nível de submissão de setores que deveriam representar o povo, mas preferem ajoelhar-se aos poderosos.
O deputado Merlong Solano (PT-PI) também tentou remendar o estrago com uma nota pública, classificando o voto como “grave equívoco” e pedindo desculpas ao povo do Piauí e ao próprio Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, a manobra visava “preservar o diálogo” com a presidência da Câmara para viabilizar pautas sociais como isenção do IR e a MP do Gás. “Meu objetivo era ajudar a impedir o avanço da anistia e viabilizar a votação de pautas importantes para o povo brasileiro, como a isenção do Imposto de Renda… além do Plano Nacional de Educação” — Merlong Solano. Só que, como era previsível, o tal “diálogo” não impediu que a Câmara, no dia seguinte, aprovasse regime de urgência para projeto de anistia que pode beneficiar o condenado Jair Bolsonaro. Resultado: negociação que não vingou e reputação de quem cedeu manchada.
O deputado Pedro Campos (PSB-PE), pressionado nas redes e irmão do prefeito do Recife, também publicou vídeo justificando o voto como tentativa de evitar boicote a pautas do governo Lula, como a ampliação da tarifa social de energia e a isenção de IR para salários de até R$ 5 mil. “Por isso, tenho a humildade de reconhecer que não escolhemos o melhor caminho. Saímos derrotados na votação da PEC e na votação da anistia” — Pedro Campos. Romantismo de bastidores não conserta a traição pública.
Não aceitaremos passivamente a volta do passaporte para a impunidade. Muitos desses parlamentares agora dizem que vão recorrer ao Supremo para anular a votação — Merlong e Pedro assinaram mandados de segurança —, mas a verdade é que o dano já está feito: a manobra mostrou que, quando a esquerda e o centro cedem ao jogo sujo do Congresso, quem comemora são os que querem se proteger da Justiça.
Entenda a PEC da Blindagem em 4 pontos
1. Prisão em flagrante: hoje a prisão em flagrante de parlamentares é submetida ao plenário da Casa. A PEC obriga que, em crimes inafiançáveis, os autos sejam enviados à Câmara/Senado em até 24 horas, com decisão por votação secreta (originalmente) — o que abre caminho para impunidade.
2. Abertura de processo criminal: volta a exigir aval do Legislativo para o STF processar parlamentar. A votação teria até 90 dias; um destaque tirou a previsão do voto secreto nesses casos, mas o recuo não apaga o objetivo da proposta: blindar.
3. Medidas cautelares: só o STF poderia aplicar medidas cautelares a parlamentares, não instâncias inferiores — uma barreira a investigações efetivas.
4. Foro privilegiado: amplia o foro para incluir presidentes de partidos com representação no Congresso, direcionando mais casos ao Supremo e ampliando privilégios.
O capítulo da PEC da Blindagem deixou claro que há quem prefira negociar com a direita e com o conservadorismo para ver suas “pautas” andarem, mesmo que isso custe a defesa da Justiça e o combate à impunidade. A militância e os verdadeiros defensores do povo precisam estar atentos: é hora de denunciar, pressionar e não aceitar acordos que só fortalecem quem quer escapar da lei. Afinal, a luta contra a elite e seus privilégios não se faz com recuos e conchavos — se faz com coragem política e mobilização popular.