Um dos rascunhos da famigerada “PEC da Blindagem” vazou e mostrou, sem sutileza, o projeto autoritário que ronda certos corredores do Congresso: transformar parlamentares em intocáveis e anular a jurisdição do Supremo quando convier. Não é mera estratégia política — é um ataque direto ao Estado de direito e uma tentativa explícita de blindar impunidade para quem ocupa cadeiras no Congresso. Quem ainda acha que a direita não quer mesmo é rasgar as regras do jogo vai ter ali, bem explicadinho, o manual de como fazer isso!
O que a proposta coloca na mesa
O documento que circulou estipula medidas que, se aprovadas, criariam dois mecanismos centrais: primeiro, elevar o quórum no Supremo para receber denúncia ou condenar deputados para 2/3 dos ministros — ou seja, pelo menos sete votos. Segundo, dar ao próprio Congresso o poder de “sustar” investigações ou inquéritos contra seus pares por maioria secreta, com efeitos imediatos e sem possibilidade de controle pelos tribunais. No texto distribuído lia-se trechos claros e estarrecedores, como:
“Recebida a denúncia contra o senador ou deputado, ou iniciado procedimento investigativo diverso ou inquérito policial por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, deliberará a sustação do andamento do procedimento ou da ação até o término do mandato”.
E mais: “A ordem de sustação de investigações ou processos criminais a que se referem os parágrafos 3º e 5º é ato de natureza política não passível de controle judicial, e seus efeitos se mantêm para membros do Congresso Nacional eleitos para mandatos em ordem sequencial e ininterrupta”.
Querem transformar o Parlamento num bunker de impunidade! A PEC até prevê um prazo — “a sustação … será apreciada pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias” — como se apreender o país à vontade de parlamentares corruptos fosse algo administrativo a ser tratado com cronograma!
Reações, recuo e o que isso revela
Não surpreende que ministros do STF e parlamentares da própria base governista tenham ficado perplexos. A articulação foi tão desastrosa que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi obrigado a recuar da votação ainda na noite em que os textos circularam. O relator oficial, Lafayette de Andrade (Republicanos-MG), diz não ter assumido o teor do relatório — ou melhor, quer distância do carimbo institucional dessa jogada.
É importante não tratar esse episódio como um mero “tropeço” legislativo. É uma demonstração de força e intenção da turma que quer blindar a direita corporativa e seus apaniguados. Não é coincidência que as vozes que mais celebram a desregulamentação do poder e a privatização do país sejam as mesmas que agora tentam fechar o ferrolho contra investigações. Bilionários, empresários e oligarquias odeiam transparência; por isso bancam e aplaudem manobras como essa.
Para nós, da luta socialista, isso confirma duas coisas: a direita política não respeita limites democráticos e precisa ser derrotada politicamente; e que medidas institucionais, por si só, não bastam se a esquerda não construir bases sociais fortes para proteger a democracia e avançar na transformação estrutural. Lula e o PT surgem, hoje, não apenas como alternativa eleitoral, mas como peças-chave de uma necessária ofensiva popular contra esse conjunto conservador que quer reescrever as regras para servir aos ricos.
A derrota temporária dessa PEC — pelo menos no calendário imediato — é motivo de alerta, não de celebração passiva. É hora de mobilizar movimentos, explicar para a população o que estava em jogo e empurrar a agenda por medidas que democratizem o Estado, protejam as estatais e tornem impossível esse tipo de escapismo judicial para corruptos. Quem quer blindagem é a elite; quem quer democracia é o povo. E é com o povo que vamos barrar esse golpe institucional disfarçado de emenda constitucional!