Na madrugada desta quarta-feira (17) a chamada “PEC da Blindagem” sofreu um pequeno, porém revelador revés: os deputados retiraram do texto a previsão de votação secreta para autorizar a abertura de ação penal contra parlamentares — uma tentativa de preservação de fachada democrática que naufragou diante de 296 votos favoráveis quando eram necessários 308. No entanto, nada de comemoração plena: os defensores do entulho institucional conseguiram manter, no bojo da proposta, a votação secreta para relaxar a prisão em flagrante por crimes inafiançáveis. Ou seja: protege-se o parlamentar pego no ato, mas deixa-se a aparência de combate à exposição pública. Que novidade, não é mesmo?
O que mudou — e o que permanece
O destaque que suprimia o voto secreto para autorizar processos foi apresentado pelo partido Novo e acabou derrotado por uma margem estreita. Após a votação — que grupos do Centrão e aliados do texto consideraram derrota — o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), encerrou a sessão sem concluir a análise da matéria. Restam ainda dois destaques para votação; depois, a PEC segue para o Senado. Foi uma vitória parcial das forças mínimas de decência parlamentar, não de justiça plena.
A PEC mantém regras que ampliam a blindagem judicial: medidas cautelares contra deputados e senadores só poderão ser expedidas pelo STF, e não por instâncias inferiores. No caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos teriam de ser enviados à Câmara ou ao Senado em 24 horas, para que, por voto secreto da maioria, se autorize ou não a prisão e a formação de culpa do parlamentar. Além disso, a proposta alarga o foro privilegiado para incluir presidentes de partidos com representação no Congresso, colocando-os na mesma esteira de proteção processual do Presidente da República, ministros do STF e do Procurador-Geral da República.
“Essa PEC em hipótese nenhuma trata de defender privilégios individuais. Trata de resguardar garantias constitucionais. A imunidade material e formal são instrumentos indispensáveis para que cada deputado e senador possam exercer suas funções com independência sem temer perseguições políticas ou intimações externas”, afirmou o relator, Claudio Cajado (PP-BA).
Não caia no conto da imunidade como flor de guarda-chuva: essa “proteção” transforma a Corte e o Congresso em filtros de impunidade quando convenientes. Para quem acompanha a política brasileira, sabe-se que quem mais se beneficia de fórmulas de jurimetria protectora são as redes clientelistas do Centrão e os atores que financiaram as campanhas de ódio nos últimos anos — os mesmos que hoje clamam por ordem e “segurança jurídica” enquanto raspam cofres públicos e negociam cargos.
Estamos diante de uma tentativa clara de institucionalizar privilégios, não de aprimorar a democracia. É preciso perguntar: quem ganha mesmo com essa PEC? Os bilionários que ocupam meios e bufês do poder? As lideranças partidárias que trocam emendas por cargos? Ou o povo que reclama por serviços públicos e justiça social?
A disputa agora segue no Senado, e cabe à esquerda, aos movimentos sociais e ao conjunto da cidadania ocupar as ruas, as redes e as bancadas para exigir transparência e responsabilização. O PT e a frente progressista têm papel central nessa ofensiva — não apenas para derrotar o projeto em plenário, mas para empurrar a agenda que interessa à maioria: serviços públicos fortes, combate à corrupção e fim das maracutaias que sustentam o bolsonarismo e o conservadorismo econômico.
Se a direita tenta se recompor com blindagens legais, a resposta democrática tem de ser maior que um voto perdido por 12 apoios: é hora de organização, denúncia pública e pressão política. Que fiquem claros os lados — ao povo, a transparência; aos corruptos, a lei. Quem quer proteger privilégios que o faça com menos cara-de-pau. Quem quer salvar a democracia que venha às ruas e aos gabinetes construir uma alternativa real.