A decisão do ministro Alexandre de Moraes de exigir monitoramento integral da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro acendeu mais um foco de tensão na política brasileira. Não é só uma disputa técnica entre polícias ou uma formalidade jurídica: é o reconhecimento, por parte das instituições, de que o ex-presidente representa um risco real de fuga e de continuidade do projeto golpista que tentou varrer nossa democracia. Bolsonaro se cercou de cortinas de fumaça, aliados no exterior e narrativas de vítima — e agora o Estado reage à altura, ainda que tardiamente.
Por que a Polícia Federal quer agentes dentro da casa
A Polícia Federal foi direta ao Supremo: a tornozeleira eletrônica e o monitoramento na porta ou no condomínio não são suficientes. “A internet pode cair, o que daria tempo para uma eventual fuga”, argumentou a corporação, que pediu a permanência de agentes dentro da residência. “Nesses casos, as violações somente seriam informadas por relatório aos operadores do sistema após o retorno do sinal, o permitiria tempo hábil para que o custodiado empreendesse uma fuga. Nesse sentido, o monitoramento eletrônico, mesmo com equipes de prontidão em tempo integral, não constitui medida impeditiva à fuga do custodiado, caso este tenha tal intenção”, escreveu a Polícia Federal.
A PF também ressaltou que a presença de policiais no interior da residência seria “imperiosa” para garantir o cumprimento da medida e evitar riscos de descumprimento. “A presença de agentes no interior da residência seria imperiosa”, afirmou a PF. Ou seja: não é paranoia; é uma avaliação de risco baseada em evidências e comportamento. A corporação até se ofereceu para atuar em coordenação com a Polícia Penal Federal, caso o STF determine reforço — porque quando se trata de proteger a democracia, ninguém pode brincar com folclore.
Caso “Lalau” como precedente
A PF sugeriu adotar a mesma medida aplicada ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, que teve policiais dentro de sua casa durante a prisão domiciliar. O histórico pesa: Lalau foi o símbolo de um judiciário podre e de negócios escusos nos anos 1990, condenado por peculato, estelionato, corrupção passiva e outros crimes — e só escapou de penas mais duras graças às brechas que os poderosos costumam ter. Repetir essa medida com Bolsonaro é, portanto, um reconhecimento de que status e retórica não impedem riscos reais de fuga.
Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula em 2022, e responde a inquéritos que apontam coerção a autoridades. Enquanto o julgamento principal começa, outra frente — conduzida por Moraes — tranca o cerco sobre as tentativas de influenciar ou sabotar o processo. E não estamos falando só de conversa de corredor: há sinais concretos, como uma minuta de pedido de asilo encontrada no celular de Bolsonaro, apontando planos e rotas de fuga.
A ofensiva diplomática de seu entorno também revela o tamanho do desespero: Eduardo Bolsonaro chegou a afirmar que atuou nos EUA em busca de anistia e proteção aos envolvidos. Do outro lado, Donald Trump — que virou refúgio e inspiração dos golpistas — não perdeu oportunidade de se manifestar, chamando o processo de “caça às bruxas”, disse Donald Trump. Como se proteger democracia fosse crime.
A Procuradoria-Geral da República ainda tem prazo até a próxima semana para se manifestar sobre o descumprimento de medidas impostas a Bolsonaro, como restrições ao uso de redes sociais, além do risco de fuga. O jogo jurídico segue, mas a necessidade de firmeza também.
A verdade é simples e clara: a prisão domiciliar de um golpista com amplo aparato de aliados não pode transformar-se em palanque ou trampolim para novas tentativas de subversão. Não cabe romantizar nem relativizar o perigo — é preciso impedir que o veneno do bolsonarismo volte a contaminar as instituições. Se o PT e Lula representam uma chance de retomar e aprofundar a luta contra os poderosos que pilharam o país, o restante do arco democrático precisa manter vigilância e ação. Segurança séria, investigação rigorosa e punição dos responsáveis não são excessos — são condições mínimas para que a democracia não seja apenas um nome bonito na Constituição, mas uma prática cotidiana.