A Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra um homem e uma mulher acusados de levantar mais de R$ 1 milhão via PIX para sustentar o acampamento bolsonarista montado em frente ao Quartel‑General do Exército em Brasília no final de 2022 — aquele mesmo acampamento que queria rasgar a urna e a Constituição depois da derrota de Jair Bolsonaro. A acusação aponta que Eloisa da Costa Leite e Rubem Abdalla Barroso Júnior atuaram na arrecadação e na logística de alimentação dos acampados, com dinheiro que acabou abastecendo não só estômagos vazios, mas uma agenda antidemocrática. “A dinâmica do casal consistia na arrecadação de recursos, por meio de chave PIX, vinculada à conta bancária de Eloisa da Costa Leite, para posterior repasse dos valores a Rubem Abdalla Barroso Júnior. Parte da quantia angariada foi destinada para incitar a prática de atos antidemocráticos mediante o fornecimento de alimentos aos frequentadores do QGEx [quartel-general]”, disse o procurador‑geral Paulo Gonet na denúncia.
Caminho do dinheiro
A Polícia Federal rastreou as movimentações e descobriu que, entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, Eloisa recebeu R$ 1,06 milhão e gastou R$ 738,6 mil. Parte desses recursos foi repassada a empresas que forneciam estrutura para o acampamento e a Rubem, responsável pela chamada “Barraca do Abdalla” — a tenda de alimentação que virava ponto de arrecadação. **A investigação não conseguiu, porém, detalhar quanto desse montante foi efetivamente gasto em comida — parece que boa parte do dinheiro tinha destinos tão nebulosos quanto as intenções do acampamento.**
Relatórios apontam transferências de valores para empresas de alimentação e para pessoas encarregadas de comprar mantimentos. Também houve pagamentos a fornecedores de estrutura e duas transferências de R$ 1.000 para uma empresa que, segundo a PF, dava suporte logístico ao acampamento. **O fino fio que liga doador, PIX e barraca revela a indústria de apoio ao golpe que se pretendeu montar com requintes de improviso e financiamento coletivo.**
Saques em dinheiro e convocações
Depois dos atos violentos de 8 de janeiro, a PGR relata que Rubem realizou 17 saques que somaram R$ 19,3 mil — feitos de modo fracionado, como quem tenta burlar o controle bancário. Em 11 de janeiro de 2023, ele transferiu R$ 50 mil a um militar, transação cujo motivo a PGR não conseguiu comprovar — e por essa razão o militar não foi incluído na denúncia enviada ao STF. A investigação também registrou uma live feita por Rubem em 4 de janeiro de 2023, na qual ele convocava seguidores a irem para Brasília e tratava o QG como “ponto de encontro” para a tal marcha golpista. “Reúna seus guerreiros, paguem o ônibus, faça esse esforço, chamem os empresários, o agronegócio, mas migrem para Brasília, o ponto de encontro é o QG. Vai poder montar estrutura sim”, disse o denunciado, segundo a transcrição dos investigadores.
A PGR ofereceu a denúncia ao ministro Alexandre de Moraes no Supremo em 9 de julho de 2025 — o caso foi noticiado pela Folha de S. Paulo e pelo g1, e os denunciados ainda não tinham advogado constituído quando a reportagem apurou os fatos. Curiosamente, a Procuradoria destacou a possibilidade de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), porque as penas mínimas por associação criminosa e incitação são inferiores a quatro anos; ou seja, há caminho pavimentado para que os acusados confessem e aceitem condições em troca de evitar a persecução. Para quem financiou um movimento que tentou subverter a vontade popular, a perspectiva de acordos suaves soa como mais um sintoma da leniência com que parte do país encara o bolsonarismo — e isso precisa ser debatido com firmeza.
Enquanto isso, a direita golpista segue querendo transformar doações em legitimidade e violência em roteiro político. É preciso resistência e clareza: desmontar essas redes financeiras e políticas não é só tarefa da Justiça — é missão política de quem não está disposto a ver o Brasil entregue de novo aos mesmos que alimentam milícias eleitorais e odeiam a democracia. O desafio é superar a tentação do golpe e fortalecer uma alternativa popular e estatal que proteja direitos, defenda as estatais e enfrente os bilionários que financiam o retrocesso — e nisso o PT e setores progressistas têm papel central na construção de uma nova etapa de luta anticapitalista e democrático‑popular no país.