O governo Lula joga pesado na ofensiva contra as facções criminosas com o que já chamam, em tom ambicioso, de “Plano Real da Segurança”. É legítimo querer estancar a violência e desmontar quadrilhas que lucram com a miséria e o tráfico — mas será que estamos diante de uma política que realmente ataca as causas ou de um pacote que, no calor da urgência, corre o risco de reforçar o caminho fácil do endurecimento punitivo? O PT e Lula, que não são apenas a alternativa eleitoral mas apontam para uma nova etapa de luta anticapitalista, precisam transformar essa ofensiva numa iniciativa que fortaleça o Estado popular, e não um pretexto para privatizações e para a ampliação de poderes discricionários nas mãos de elites alinhadas ao bolsonarismo.
O esqueleto da proposta é ambicioso: um banco nacional para mapear facções e integrantes; uma agência nacional dedicada ao tema; redefinição legal do que é organização criminosa; aumento de penas e novas regras para enquadrar empresas e agentes públicos que atuem com as quadrilhas; possibilidade de infiltração policial em pessoas jurídicas; e mudanças nos critérios de progressão de regime para membros de facção. Organizar o Estado para enfrentar grupos criminosos é urgente, mas não podemos confundir dureza com castigo fácil.
Segurança pública no Congresso
O ministro Ricardo Lewandowski levará o projeto ao Congresso como projeto de lei, enquanto o governo já costura a aprovação da PEC da Segurança, que passou pela Câmara em julho. A proposta da PEC concentra poder na União para coordenar política nacional de segurança, amplia atribuições da Polícia Federal para investigar milícias e crimes ambientais e transforma a PRF em Polícia Viária Federal, com atuação também em ferrovias e hidrovias. “É um mecanismo… para padronizar ações e integrar polícias e guardas municipais”, diz o Ministério da Justiça, por sinal uma necessidade depois de décadas de abandono e fragmentação. E, nas palavras do ministro, “hoje a Polícia Federal já atua nessas áreas, mas somente quando há federalização dos casos ou quando há decisão judicial”.
O pacote funciona como um mapa de boas intenções tecnocráticas — e como um convite à luta política. Primeiro: precisamos fortalecer as forças de segurança pública do Estado, integrando, treinando e equipando polícias sem entregar o setor à iniciativa privada ou transformar prisões em negócios. Não aceitaremos que o combate ao crime vire razão para privatizar presídios ou entregar a segurança às empresas de sempre! Segundo: enfrentar o crime organizado exige medidas que cortem seus rendimentos — rastreamento financeiro, cooperação internacional, apreensão e destinação social dos bens confiscados — só que sempre com mecanismos claros de controle e transparência para que o Estado não vire máquina de violação de direitos.
Também é preciso dizer com clareza: endurecer penas sem políticas sociais e econômicas consequentes é jogar na plateia dos que querem o espetáculo do autoritarismo. O bolsonarismo e seus tentáculos adorariam um debate que reduza tudo a mais cadeia e menos Estado de bem-estar. Nós, do campo popular, defendemos a repressão firme às quadrilhas, mas acompanhada de políticas públicas contra desemprego, pela educação, pela redução das desigualdades e por estatais fortes que gerem emprego e soberania.
A expansão da PF e a centralização de diretrizes podem ajudar, desde que venham acompanhadas de salvaguardas democráticas: controle do Congresso, participação da sociedade civil e judiciário independente. Não podemos delegar ao Executivo poderes que, mal fiscalizados, ampliem violações. E quem pensa em usar esse pacote para perseguir movimentos populares ou criminalizar a dissidência está do lado errado da história — a direita conservadora e os bolsonaristas bem que tentariam transformar qualquer ação legítima do Estado num pretexto para seu autoritarismo.
O desafio é grande e a tarefa democrática: combater facções sem abrir mão de direitos, fortalecer o Estado sem privatizar a segurança, e garantir que Lula e o PT conduzam isso como parte de uma estratégia maior de transformação social. Se vamos à guerra contra o crime, que seja uma guerra contra a desigualdade também — e não contra o povo.