O governo federal chegou com duas propostas para a área de segurança que se complementam: uma mexe na Constituição (a tal PEC da Segurança) para aumentar o protagonismo da União; a outra promete entregar ao eleitor o velho remédio punitivo — esse famoso “Plano Real da Segurança” que busca elevar penas e criar novos tipos penais. Enquanto isso, vozes da direita batem palmas e os bolsonaristas sonham com palanques eleitorais. Mas será que aumentar penas e centralizar policiamento é o suficiente para desmontar as redes criminosas e recuperar territórios para a população trabalhadora?
PEC da Segurança
A PEC muda cinco artigos da Constituição para dar à União competência para criar diretrizes gerais de segurança pública, padronizar registros e documentos criminais entre os estados, ampliar a atuação da Polícia Federal (incluindo investigações sobre milícias e crimes ambientais), transformar a Polícia Rodoviária Federal em uma Polícia Viária Federal com atuação ostensiva em estradas, ferrovias e hidrovias, e incluir as guardas municipais entre os órgãos de segurança pública com atribuições urbanas. É a primeira proposta em muito tempo que aposta em capacidade estatal e coordenação nacional — algo que a direita odeia quando vai na contramão do projeto de desmonte do Estado.
“A virtude da PEC é que é a primeira vez que o governo federal diz que quer ter mais protagonismo, que não seja só o residual que existe hoje”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrando que há, sim, um reconhecimento técnico sobre a necessidade de centralizar políticas que hoje são fragmentadas e ineficazes.
A PEC tramita desde abril: aprovada na CCJ da Câmara em julho, segue para comissão especial e depois ao Senado. O calendário não é claro, mas há pressa política — afinal, deixar “legado” na segurança vira arma no debate de 2026. O governo quer mostrar serviço e colher frutos eleitorais; a pergunta é: fruto de que tipo de política?
“Plano Real da Segurança”: pena, pena e mais pena
O chamado pacote legislativo, apelidado de “Plano Real da Segurança”, altera cerca de dez leis — da Lei das Organizações Criminosas ao Código Penal e ao Código Eleitoral — com medidas de efeito direto e fácil compreensão para a mídia: aumento de penas para integrantes de organizações criminosas, criação de uma “organização criminosa qualificada” (com penas de 12 a 20 anos para quem controlar territórios e infiltrar-se em serviços públicos), agravantes para crimes cometidos no contexto de facções, e até dobrar penas eleitorais quando há vínculos com o crime organizado. Em tese, uma canoa funda para os chefes do crime; na prática, uma receita conhecida: endurecer punições sem tocar nas raízes sociais e econômicas que geram violência.
“A criminalidade deixou de ser apenas local para ser também interestadual e transnacional”, alega a justificativa oficial do governo para a PEC, usada para defender maior atuação federal. Não há dúvida de que o crime evoluiu em escala e complexidade — mas a resposta estatal não pode se limitar a mais cadeia e mais polícia quando o que falta é investimento em políticas sociais, moradia, saúde e trabalho digno.
O ministro Ricardo Lewandowski ainda ajusta o texto do projeto antes de enviá-lo à Casa Civil; quer fechar tudo esta semana. A pressa é política. E a política precisa de debate: quem garante que essas medidas não serão usadas seletivamente, criminalizando periferias e fortalecendo estruturas policiais autoritárias? Quem garante que o reforço federal não virará plataforma para privatizações e parcerias com setores que defendem o mercado de segurança privada?
A resposta da esquerda tem que ser clara e combativa: sim à centralidade do Estado e ao fortalecimento das estatais e serviços públicos; não ao discurso punitivo que serve aos donos do capital e ao espetáculo midiático! Lula e o PT não são apenas alternativas eleitorais; podem — e devem — transformar essas iniciativas em políticas que enfrentem as causas da violência, ampliem direitos e reconstruam a presença popular no espaço público. É hora de mexer com estruturas, não só com prisões. Quem quer segurança de verdade sabe: sem investimento social e controle democrático sobre as forças de segurança, a paz que se promete será apenas o silêncio da exclusão.