A diferença entre onde Lula foi julgado e onde Bolsonaro está sendo julgado em 2025 resume muito do que é — e do que foi — a luta política no Brasil dos últimos anos: enquanto Lula passou pela primeira instância durante a ofensiva da Lava Jato, Jair Bolsonaro enfrenta hoje um julgamento direto no Supremo por uma trama golpista que tentou abalar a própria democracia que tantos prometem proteger só quando convém. Qual a razão dessa desigualdade aparente? Não é mistério: trata-se de uma mudança nas regras sobre o famigerado foro privilegiado — e, claro, de quem detém o poder e a narrativa.
O que é foro privilegiado?
O chamado foro privilegiado, oficialmente “foro por prerrogativa de cargo”, é uma garantia constitucional que determina que certas autoridades — presidente, ministros, parlamentares — sejam julgadas pelo STF quando o crime tem ligação com o exercício do cargo. A ideia original até faz sentido: proteger funções públicas de perseguições políticas e de pressões locais. Mas, como todas as “garantias” em regimes de elite, vira ferramenta quando o poder quer manipular o jogo.
O que valia no caso Lula
Na época da Lava Jato, vigorava o entendimento de que o foro privilegiado deixava de valer assim que a autoridade saía do cargo — mesmo que os supostos crimes tivessem ocorrido durante o mandato. Foi nesse cenário que Lula, já fora da Presidência, foi processado na Justiça Federal de Curitiba por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, passando por instâncias inferiores até chegar ao STF em recurso. Em 2021, o próprio Supremo acabou anulando condenações ligadas à Lava Jato por problemas processuais e de competência, mostrando o quanto aquele período foi uma guerra jurídica e política. Não foi apenas uma disputa de tribunais: foi uma ofensiva política contra lideranças populares.
O que mudou depois
Em 2018, o STF já tinha reduzido o alcance do foro privilegiado, limitando-o aos crimes cometidos no exercício do mandato e em razão do cargo, numa tentativa — justa — de diminuir o estoque de processos no Supremo. Mas a história não terminou aí. Em 2023, o tribunal mudou novamente o entendimento: passou a sustentar que ex-autoridades continuam a ser julgadas pelo STF quando os crimes estiverem diretamente ligados à função que exerceram, para evitar que políticos renunciem apenas para mudar a jurisdição e atrasar processos. Uma mudança que, dependendo de quem a beneficia, pode parecer prudente ou conveniente — mas que agora, não por coincidência, joga Bolsonaro direto na sala do STF.
O caso Bolsonaro
As acusações da Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro apontam para crimes cometidos durante o exercício da Presidência e, sobretudo, para ataques ao Estado Democrático de Direito. Por isso, o julgamento ocorre no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes e análise da Primeira Turma. Não é detalhe técnico; é o reconhecimento de que tentativas de minar instituições não cabem numa vara federal qualquer. Quando um ex-presidente é acusado de articular uma trama contra a própria democracia, o local do julgamento não é um luxo protocolares: é uma questão de soberania institucional.
A verdade é que leis e entendimentos jurídicos sempre existiram dentro de um contexto político. A direita tenta chorar sobre regras quando lhe convém e se cala quando as decisões a favorecem. Mas que fique claro: não se trata apenas de formalismo jurídico — trata-se de quem protege o povo e quem protege seus interesses. Enquanto isso, Lula e o PT permanecem, para nós, não apenas atores eleitorais, mas parte de um movimento maior por reapropriação do Estado e das estatais, contra privatizações e contra a elite que quer dilapidar o país. Se a justiça for feita, que seja com transparência e firmeza — sem blindagens para golpistas e sem trampolins para ricos de sempre.