A viralização do vídeo do humorista Felca sobre a adultização de crianças e adolescentes trouxe à tona um problema óbvio, mas convenientemente ignorado por muita gente: as plataformas digitais não foram projetadas para proteger quem mais precisa — e agora a política tenta correr atrás do prejuízo. O presidente da Câmara, Hugo Motta, prometeu pautar projetos que tratem da segurança de menores nas redes. Claro que os mesmos que dizem defender a “liberdade” na internet já se apressam a gritar “censura” caso a proposta ataque o modelo de negócio predatório das gigantes de tecnologia. E nós devemos perguntar: censura para proteger crianças é crime ou dever de decência?
Desenho da plataforma
Um dos textos que deve aparecer na pauta é o PL 2628/22, do senador Alessandro Vieira. Para quem estuda o tema, é um projeto robusto que mexe justamente na raiz do problema: o desenho das plataformas. Maria Mello, coordenadora do Instituto Alana, resume bem a mudança de perspectiva necessária. “O projeto de lei se afasta dessa ideia de moderação de conteúdo”, diz Maria Mello — Instituto Alana. Ou seja, não é só apagar posts depois do estrago; é transformar as regras e algoritmos que expõem e lucram com crianças.
Precisamos responsabilizar empresas que projetam interfaces para viciar atenção e extrair dados de menores! Plataformas que priorizam tempo de tela, recomendação personalizada e coleta de dados para publicidade têm lucro com a exploração da infância — e é preciso que a lei pegue esse gancho.
O PL impõe o chamado dever de cuidado: medidas preventivas para evitar danos e possibilitar responsabilização das empresas omissas. Prevê, por exemplo, a remoção imediata de conteúdos identificados como exploração e abuso sexual infantil, mesmo sem ordem judicial, além de verificação de idade para bloquear acesso de menores a conteúdo pornográfico. Outra medida vital é proibir práticas de monetização que incentivam a exposição de crianças ou a venda de “caixas de recompensa” em jogos, além de restringir publicidade dirigida a menores.
“As plataformas precisam de ferramentas internas de controle e moderação que funcionem”, afirma Maria Mello — Instituto Alana. Além do mais, a proposta considera permitir maior supervisão parental e até limitar o uso de ferramentas de inteligência artificial sobre perfis de menores — propostas que, é claro, deixam os bilionários das redes desconfortáveis.
Não é invenção nossa: legislações internacionais já caminham nesse sentido. A Austrália baniu o uso de redes sociais por menores de 16 anos; o Reino Unido exige verificação de idade e responsabiliza plataformas; a União Africana lançou uma política que prioriza segurança, privacidade e participação online de crianças. Se outros estados se mexem para proteger suas crianças contra a lógica do lucro, por que aqui ainda teríamos medo de regular?
O relatório do deputado Jadyel Alencar aponta explicitamente as artimanhas que mantêm jovens presos às plataformas: “enviar notificações solicitando ações dos usuários, instrumentos de rolagem infinita e mecanismos de recomendação personalizada”, alerta Jadyel Alencar — deputado federal (Republicanos-PI). Essas “engenhocas” são projetadas para acelerar consumo, e o resultado é previsível: exposição precoce, exploração e danos à saúde mental.
Crianças não são mini adultos, elas são sujeitos de direito! Isso deveria ser óbvio, mas vive sendo relativizado por setores que colocam lucro acima da vida. O debate na Câmara é um campo de batalha ideológico: de um lado, quem quer preservar o status quo rentista; do outro, quem entende que proteção infantil exige intervenção estatal e defesa de bens públicos, inclusive das estatais que possam oferecer alternativas.
Se o governo Lula e o Congresso avançarem com regras que coloquem o interesse da infância acima do lucro das plataformas, estaremos dando um passo civilizatório — e, sim, preciso dizer, um sinal de que uma política realmente popular pode exigir e impor limites aos exploradores digitais. Quem se opõe a isso está do lado dos interesses corporativos, não das crianças. E a luta continua!