A Câmara volta a viver o teatro da hipocrisia política: a famigerada “PEC da Blindagem” entra em pauta e o Centrão faz o que melhor sabe — negociar privilégios em troca de versões maquias da governabilidade. Enquanto isso, o PT se encontra no centro desse tabuleiro, entre a chicana parlamentar e a responsabilidade histórica de não ceder à chantagem que protege corruptos e golpistas. Quem perde com isso? O povo, claro — e a própria democracia que juraram proteger nos discursos.
O projeto, que exige autorização da Câmara ou do Senado para a abertura de ação penal contra parlamentares, institui voto secreto para prisão de deputados e senadores e joga presidentes de partidos no colo do foro privilegiado, é um escárnio jurídico. É um cheque em branco para a impunidade, entregue com culhão ao aparelho do conservadorismo. A manobra política do Centrão foi simples: cobrar votos para a PEC oferecendo apoio a pautas sociais importantes do governo — a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a MP da Tarifa Social de Energia — numa troca de favores que cheira a velha política do toma-lá-dá-cá.
O PT, que poderia ser cúmplice automático, surpreendeu e orientou a bancada a votar contra a PEC, com o presidente do partido Edinho Silva participando da articulação. Ainda assim, ao mesmo tempo, o governo decidiu dar liberdade de voto, numa espécie de “não quero me queimar, mas não gosto disso”. Lula, segundo relatos, sinalizou que não queria intervir na decisão da bancada, mas que a proposta teria avaliação popular ruim. Nada mal ouvir isso do presidente que representa hoje a principal força para enfrentar a direita — mas a lição verdadeira é que lealdade à democracia não se negocia por trocas de gabinete!
Os deputados do PT, em voz baixa e com a frustração crescente, contavam votos em outras legendas. “Vão votar contra, mas torcer pela aprovação, senão a situação vai piorar de vez”, disse um deputado petista, expondo a contradição: resistir publicamente e apostar, nos bastidores, em uma derrota que só beneficiaria os que querem blindar a si mesmos. Além dessa dissonância, o presidente da Câmara, Hugo Motta, foi transparente sobre o que está em jogo: sem os votos do PT, a governabilidade poderia ficar seriamente comprometida. Ou seja: o argumento da “estabilidade” vira moeda de chantagem.
MP da Tarifa Social: prioridade real ou cartão de troca?
A outra ponta dessa trama é a MP da Tarifa Social, que amplia descontos e isenções na conta de energia para famílias de baixa renda — uma medida crucial pra 60 milhões de brasileiros, segundo o governo. O ministro Alexandre Silveira correu para salvar a MP e ainda tentou garantir que a Câmara votasse antes do prazo. “Eu estou confiante que vamos votar. Todos na Câmara estão conscientes, líderes estão conscientes, conversei com vários líderes que o prazo pro Senado votar é até amanhã. O Senado está com muita disposição de recepcionar a MP. Todos sabem da importância e a urgência de atender 60 milhões de brasileiros carentes com a medida social”, afirmou Silveira.
Mas a pressa do Centrão em blindar parlamentares roubou o centro do plenário. A votação da MP passou a ser “incerta” porque os debates foram deslocados para a PEC. Resultado: a população fica refém da barganha, e medidas sociais viram moeda de troca para proteger quem deveria ser responsabilizado na Justiça. Privatizadores, bilionários e oligarcas comemoram essa confusão, pois o jogo segue favorecendo seus interesses.
O cenário mostra algo claro: há uma direita que ainda tenta reescrever as regras para escapar da responsabilização, enquanto a esquerda institucional — representada pelo PT e por Lula — precisa decidir se segue jogando segundo regras do jogo antigo ou assume a tarefa de desmantelar as redes de poder que amparam a impunidade. Se a prioridade for o povo, a energia social e a responsabilidade democrática devem vencer a chantagem. Se for a acomodação, estaremos alimentando o monstro que nos trouxe até aqui.
A opção é política e histórica — e não pode ser tomada nos bastidores. A hora é de unidade programática, pressão social e clareza: sem blindagem, sem retrocesso, com tarifa social protegendo quem mais precisa. Quem pensa diferente está do lado errado da história.