O rascunho do pedido de asilo argentino encontrado no telefone de Jair Bolsonaro é mais do que um documento embaraçoso: é uma confissão — em bits e bytes — de que o capitão do golpe planejou a fuga quando a balança da justiça começasse a pender. A Polícia Federal apreendeu um arquivo digital em que Bolsonaro, em linguagem melodramática, solicita “asilo político” alegando perseguição e temendo prisão iminente. A defesa, claro, já correu para transformar esse roteiro de fuga em “uma sugestão”. Mas quem é que acredita em “sugestões” quando a PF demonstra planejamento concreto e contatos coordenados com a família e aliados?
O que o documento revela
O arquivo de 33 páginas, sem assinatura física e editado por um usuário identificado como “Fernanda Bolsonaro”, traz instruções e justificativas para a evasão do país, incluindo pedido de urgência ao presidente argentino Javier Milei e menção explícita ao temor de prisão. A PF, no relatório, foi dura ao relacionar o conteúdo do documento com a investigação sobre a tentativa de golpe: os elementos indicam que Bolsonaro não apenas se preparou para fugir, mas o fez com o objetivo de impedir a aplicação da lei penal — uma atitude típica de quem se sente acima da democracia.
“Nesse sentido, é possível que o usuário em questão esteja vinculado à pessoa de Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, nora do ex-presidente e esposa do senador Flavio Nantes Bolsonaro”, diz o relatório da Polícia Federal.
A defesa, por sua vez, minimizou: “O pedido foi uma ‘sugestão’ recebida pelo ex-presidente em fevereiro de 2024, posteriormente descartada”, afirmou a defesa ao blog de Andréia Sadi. Sugerir? Como se preparar rota de fuga, redigir textos direcionados a um presidente estrangeiro e combinar datas de viagem para dezembro fossem mera literatura! É preciso coragem (ou desfaçatez) para transformar conspiração em “sugestão”.
Indiciamento: pressão, coação e tentativas de interferência
A bateria de provas recolhidas pela PF vai muito além de um rascunho. Jair e Eduardo Bolsonaro foram indiciados por coação no curso do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado. Mensagens apagadas — recuperadas pelos peritos — mostram articulações para intimidar ministros do Supremo Tribunal Federal e pressionar o Congresso para barrar investigações. Entre as linhas encontradas, há pedidos explícitos para buscar apoio externo: Eduardo aparece buscando o governo Trump para sancionar autoridades brasileiras e, em tom de chantagem política, sugere que o apoio internacional cessaria caso medidas aceitáveis fossem aprovadas aqui.
A atuação não foi apenas virtual. O pastor Silas Malafaia, peça chave na máquina de ódio bolsonarista, teve seu celular e passaporte apreendidos por atuar como elemento organizador das campanhas de ataques aos ministros do STF — táticas de milícia digital que já conhecemos bem. O relatório da PF diz que havia materialidade e indícios de organização criminosa, algo que desmente qualquer versão de “perseguição política” inventada pela tropa de choque bolsonarista.
Esses indiciamentos, obviamente, não são sentenças. O relatório seguirá para a Procuradoria-Geral da República, que pode oferecer denúncia, pedir mais diligências ou arquivar. Mas o que está claro é que o conjunto probatório constrói uma narrativa de tentativa de obstrução democrática e de uso de mecanismos externos para proteger interesses pessoais.
A direita radical, exposta em contornos tão flagrantes, tenta agora transformar a fuga em victimização — um truque velho do repertório: quando falta argumento, fabricam-se narrativas de perseguição. Temos que responder com organização política e denúncia, apoiando ações que fortaleçam o Estado democrático e as instituições públicas contra as ameaças bolsonaristas. O país não pode ser refém de bilionários, milicianos digitais e farsas de asilo; é hora de reforçar a resistência democrática e manter a luta anticapitalista que o povo precisa para retomar direitos e soberania.