A política de Previdência voltou ao centro das atenções após o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmar que o sistema está “pressionado” e que uma nova reforma será inevitável nos próximos dez anos. Em evento da FGV no Rio, Ceron defendeu um debate estrutural sobre aposentadorias, relacionando as contas públicas à trajetória da dívida. Mas por que esse discurso ressurgiu agora, e quem realmente sai perdendo nessa conversa?
Rogério Ceron pintou um cenário de alarmismo fiscal: despesas previdenciárias supostamente crescentes e a necessidade de superávits maiores para conter o endividamento. “Se você olhar como país, um novo ciclo de reforma mais estrutural […] é [preciso] olhar o sistema previdenciário”, afirmou o secretário. Para ele, ajustes como a idade mínima de aposentadoria não bastam: seria preciso “modernizar” o sistema para reduzir os gastos futuros.
No discurso oficial, pressiona-se a revisão de direitos conquistados, enquanto se enaltece o reajuste real do salário mínimo como “desafio relevante” para as contas públicas. A ironia é clara: valorizam-se políticas de correção de desigualdades apenas para depois apresentar o contragolpe da instabilidade fiscal. Enquanto querem nos convencer de que o sistema está falido, os verdadeiros ricos seguem acumulando fortunas sem pagar um tostão a mais de imposto!
O discurso da inevitabilidade
Ceron comparou a Reforma Tributária do consumo – aprovada com décadas de resistência – ao que viria para a Previdência. Segundo ele, será preciso “martelar, martelar” o tema até a sociedade aceitar as mudanças. Em outras palavras, minar direitos até que o povo vá se acostumando com a retirada de garantias. E tudo isso sob a justificativa de um “rombo” projetado pelo próprio governo: o INSS teria déficit de R$ 328 bilhões em 2025 (2,58% do PIB) e, segundo o PLDO 2026, subiria para 11,59% do PIB até 2100.
Esse modelo de repartição, em que trabalhadores ativos financiam aposentados sem um fundo individual, é atacado por técnicos como Rogério Nagamine, do IPEA. “Vai precisar fazer uma nova reforma. O ideal é que seja feita em 2027. Quanto mais você demorar, pior fica”, disse ele, evocando “mudanças demográficas” como bomba-relógio. Mas será mesmo que enfrentar “o envelhecimento” exige tirar direitos de quem contribuiu a vida inteira? Ou estamos diante de manobra neoliberal, usando fantasmas fiscais para promover mais cortes?
A agenda que não dizem
É curioso notar que ninguém fala em taxar fortunas, em fechar brechas de sonegação nem em cobrar dividendos bilionários. A solução mágica passa por atrasar aposentadorias, aumentar alíquotas sobre trabalhadores informais e cortar benefícios. Não aceitaremos que retirem direitos para satisfazer a ganância de banqueiros e especuladores! Ao mesmo tempo, ampliam-se superávits fiscais enquanto se prega austeridade sobre os mais pobres.
Enquanto isso, investimentos em saúde, educação e moradia, fundamentais para a longevidade digna, ficam em segundo plano. O debate sobre Previdência precisa envolver as raízes do problema: um Estado poderoso, capaz de regular o mercado e garantir bem-estar, ou o entreguismo fiscal que privilegia grandes corporações e ricos.
Nada impede que a sociedade construa um sistema previdenciário público e sustentável, mas isso exige coragem política para enfrentar os verdadeiros causadores do déficit: bancos, setores financeiros, grandes grupos econômicos. Se formos martelar algo, que seja a cobrança efetiva de quem lucra bilhões às custas da miséria geral.
Chegou a hora de inverter o foco: longe de aceitar reformas regressivas, vamos exigir ampliação de direitos, recriação de fundos públicos de amortização e progressividade na tributação. Só assim garantiremos que nossos idosos recebam aposentadorias dignas e que o Brasil avance para uma sociedade mais justa e solidária.