A proposta de reforma administrativa apresentada pelo relator Pedro Paulo (PSD-RJ) vem embrulhada numa retórica de combate a privilégios que, na prática, mira o serviço público e prepara o terreno para mais precarização. Entre tabelas únicas, fim de “férias de 60 dias” e metas com bônus por produtividade, o texto parece mais uma operação de marketing para agradar à máquina de ódio da direita do que um projeto sério de fortalecimento do Estado a serviço do povo. É preciso ler com cuidado: nem tudo o que se anuncia como “transparência” e “eficiência” é emancipador — muitas vezes é cortina de fumaça para desmonte.
O que vem na tal tabela única
A proposta cria uma tabela única que limita o salário de ingresso a cerca de metade do que o servidor alcançaria no auge da carreira. A justificativa oficial é reduzir desigualdades entre carreiras e dar “clareza” à remuneração. Mas isso não responde à pergunta essencial: aumentar a política de contenção salarial para quem entra não é mecanismo de precarização e desestímulo profissional? Uma tabela que comprime ganhos iniciais favorece a rotatividade e enfraquece serviços essenciais.
“Hoje existem dezenas de tabelas e carreiras distintas, o que amplia a desigualdade entre os servidores. Com a tabela única, vamos colocar lado a lado o técnico de enfermagem, o presidente da República, um ministro do STF e o servidor mais humilde. É uma medida para combater a lógica do ‘andar de cima’ contra o ‘andar de baixo’ no serviço público” — Pedro Paulo. Bonito no discurso; na prática, pode ser mais um expediente para justificar baixos salários.
Férias, verbas indenizatórias e o discurso dos privilégios
O fim das férias de 60 dias, benefício restrito a menos de 0,3% dos servidores, foi colocado como bandeira simbólica. Sim, retirar privilégios concentrados é razoável — mas transformar isso em cavalo de batalha para atacar todo o funcionalismo é demagogia. Enquanto se aponta para migalhas, escondem-se propostas que realmente afetam a base: limites a verbas indenizatórias podem significar perda de condições de trabalho, e a isca do caráter “temporário” pode virar regra permanente de precarização. A direita celebra a caça aos “privilégios”, mas é o povo que paga a conta quando serviços básicos desmoronam.
Metas, bônus e um Estado sob avaliação mercadológica
A proposta prevê planos de metas em 180 dias e bônus por desempenho vinculados a indicadores — se uma escola melhora o Ideb, todos recebem. De novo, o discurso é sedutor, mas simplista: “Se uma escola melhora a nota do Ideb, o professor, o porteiro e a diretora devem receber o bônus. Isso beneficia diretamente o cidadão, que poderá escolher morar perto de uma escola que comprovadamente melhora seu desempenho” — Pedro Paulo. Ok, e quando a escola fica sem recursos, estrutura e alunos com fome? Bônus não substitui políticas públicas robustas nem investimento estrutural. Transformar serviços públicos em ranking competitivo abre espaço para terceirizações, para lógica de mercado e para penalizar profissionais que trabalham em contextos mais difíceis.
Impacto reputacional e político
O relator diz reunir cerca de 70 propostas e destaca impactos simbólicos como fim das férias e tabela única. “Medidas como o fim das férias de 60 dias, a tabela única e a disciplina sobre verbas indenizatórias são fundamentais no aspecto reputacional da reforma administrativa. Elas dão a mensagem de que o serviço público precisa oferecer mais transparência, eficiência e justiça” — Pedro Paulo. Mensagem para quem? Para a elite midiática e para o setor privado que sonha com mais espaço nas estatais. A “reputação” invocada é muitas vezes pretexto para arrancar aceitação do desmonte.
A disputa que vem é política. É tarefa das esquerdas — e aqui conto com Lula e o PT como protagonistas dessa batalha — não só reclamar de medidas pontuais, mas disputar a narrativa: Estado forte, estatais públicas e servidores valorizados são instrumentos centrais contra o capital voraz. Precisamos expor essa tentativa de transformar demandas legítimas por eficiência em cortina de fumaça para encolher o Estado. Não basta rejeitar a destruidora da extrema-direita; é preciso construir alternativa popular real e mobilizar a sociedade para defender o serviço público e ampliar direitos. Quem quer privatizar não descansa — nós também não podemos.