O Senado aprovou em segundo turno, nesta terça-feira (2), uma proposta de emenda à Constituição que estabelece limites para o pagamento de precatórios por estados e municípios — uma tentativa oficial de aliviar as contas dos entes federativos que estavam sufocados por dívidas determinadas pela Justiça. A proposta segue agora para promulgação pelo próprio Congresso, etapa necessária para que as novas regras entrem em vigor. Mas o sinal trocado pela direita e o mercado não pode nos distrair: é preciso entender o que muda e para quem esse “alívio” realmente serve.
O que a PEC prevê
A PEC cria uma transição de 10 anos, a partir de 2027, para que o governo federal incorpore o estoque de precatórios na sua meta fiscal. Para estados e municípios, o pagamento dos precatórios será escalonado conforme a razão entre o estoque da dívida e a Receita Corrente Líquida (RCL) do ente. Em linhas gerais: quanto menor o estoque em relação à RCL, menor será a prestação anual. Por exemplo, se em 1º de janeiro o total de precatórios em atraso representar até 15% da RCL do ano anterior, o ente publicará uma parcela equivalente a 1% dessa receita. No outro extremo, se o estoque superar 85% da RCL, a prestação máxima será de 5% da RCL — embora o ente público possa, se quiser, pagar valores acima desses limites.
O cálculo será refeito a cada 10 anos e os índices passarão a valer mesmo para estados que, hoje, não tenham estoque de dívida. Caso um estado ou município deixe de pagar dentro das novas regras, elas serão suspensas e a Justiça poderá sequestrar os valores dos caixas do ente. E atenção: se em 2036 ainda restar saldo de precatórios, os limites serão aumentados em 0,5 ponto percentual.
É uma tentativa de organizar o pagamento sem afundar serviços públicos essenciais — mas também é um sinal de que o País não pode novamente ceder à chantagem dos credores e dos mercados.
O texto busca equilibrar a manutenção do dever judicial (os precatórios existem porque foram determinados pela Justiça) com a necessidade prática de que prefeituras e governos estaduais consigam pagar salários, remédios, transporte e educação. Ainda assim, há uma contradição: ao criar teto e escalonamento, a PEC dá margem para que poderes econômicos pressionem por “flexibilizações” futuras e para que governos neoliberais usem essa folga para justificar cortes e privatizações.
O que esperar politicamente
Não é hora de comemorar nem de relaxar! A proposta foi vendida como socorro às contas públicas — e pode ser, se o fôlego for usado para recompor políticas públicas e fortalecer estatais que atendem ao povo. Mas e se esse “fôlego” virar desculpa para entregar patrimônio público aos amigos do mercado? Quem acha que o problema fiscal foi criado pela “gastança” dos pobres ou por servidores públicos mentiu descaradamente por anos — e são esses mesmos mentirosos que adorariam usar a PEC como cortina de fumaça para aprofundar privatizações.
“É uma medida técnica para disciplinar pagamentos, mas seu sucesso depende das escolhas políticas que vierem depois,” diria um analista jurídico atento. E eu pergunto: quem vai empunhar essas escolhas? A direita golpista que deseja desmontar o Estado? Ou um bloco popular comandado por forças dispostas a recuperar e ampliar o papel do Estado na vida das pessoas?
Se o objetivo é proteger o serviço público, que assim seja: que o governo use esse espaço para investir e recompor direitos, não para enxugar ainda mais o Estado.
A hora é de vigilância e de mobilização. Lula e o PT, como protagonistas das urnas e da perspectiva de recomposição do Estado, têm diante de si a oportunidade histórica de transformar alívio fiscal em avanço social verdadeiro — não em alívio para banqueiros nem em maquiagem para privatizações. Aos que lutam nas ruas e nos bairros: cobrem compromissos, proponham medidas que retomem investimentos públicos e não deixem que o discurso do “ajuste” seja a nova cartilha da direita.
A PEC pode ser uma ferramenta útil — se for usada para fortalecer a sociedade e proteger o que é público. Se virar pretexto para entregar o país aos bilionários, saberemos bem quem puxou a corda e quem precisa ser desmontado politicamente. Quem vai ganhar com isso? A hora de decidir é agora!