A articulação no Senado para “aliviar” penas de parte dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro é mais um espetáculo de hipocrisia de uma classe política que vive de remendos e acordos às escondidas. Em vez de encarar com clareza quem organizou, financiou e se beneficiou da tentativa de golpe, parte do Congresso tenta transformar condenados em vítimas — claro, desde que não sejam os grandes mandantes da baderna! Que surpresa, não é mesmo?
O tal texto alternativo discutido por Davi Alcolumbre (União-AP) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não fala em anistia ampla, dizem os articuladores: é só uma recalibragem da dosimetria, uma redução de pena para quem foi qualificado como “massa de manobra”. Traduzindo: perdoa-se o povo de rua que bateu panela, mas mantém-se o dedo duro apontado para os cérebros por trás do plano golpista. É a velha política de dois pesos e duas medidas, que tenta salvar o que interessa ao poder e ao mercado.
“Ele gostaria de apresentar o projeto ‘rápido'”, disseram aliados de Alcolumbre. Rápido para quê? Para implementar um ajuste que, na prática, suaviza a punição e dá uma saída política para parlamentares que ainda têm medo de encarar o eleitor? Enquanto isso, os financiadores e organizadores ficam fora do alcance — justamente os que deveriam pagar o pato. Não nos enganemos: não se trata de justiça, mas de conveniência.
Recados do STF
Apesar das costuras no Senado e das conversas reservadas, o Supremo tem deixado claro que não vai compactuar com perdões fáceis. Integrantes da Corte avisaram aos líderes do Congresso que um projeto que preveja perdão de penas dificilmente prosperaria — e isso mostra que ainda existe limite institucional para a barganha impune. Mais direto ainda, “A doutrina do STF sobre a situação está no caso do ex-deputado Daniel Silveira”, disse um ministro do STF. Em outras palavras: o tribunal já mostrou que não aceita retrocessos jurídicos que banalizem a responsabilização por ataques à democracia.
Isso não dá carta branca para o espetáculo de mitigação de penas. Reduzir sentenças para os “massa de manobra” pode até parecer humanitário para alguns, mas serve muito melhor como maquiagem para acobertar a cadeia de responsabilidade — e para preservar eleitores arrependidos e politicamente úteis. Não esqueçamos que o que aconteceu no 8 de janeiro foi atentado à ordem democrática: não foi um crime de ocasião cometido por incautos, foi parte de um processo político de desestabilização com atores diversos, incluindo direita organizada e financiadores.
Nós, que lutamos contra o bolsonarismo e suas ramificações, não podemos aceitar manobras que tentem minimizar a gravidade dos fatos. Exigir punição para organizadores e financiadores é questão de princípio republicano, e também de futuro político: permitir impunidade agora é dar sinal verde para novas aventuras autoritárias amanhã. Não há neutralidade diante de quem atacou a democracia; ou se defende o Estado de direito ou se acolhe a barbárie.
Que fique claro: apoiar Lula e o PT não é apoiar qualquer covardia no parlamento — é apoiar uma etapa nova de confrontação com as oligarquias e com a direita que quer excluir o povo das decisões. Defender estatais, políticas públicas e justiça não é condescendência com a impunidade, é construir um terreno firme para que a luta popular avance sem trégua para os que pregam a destruição do que resta de soberania nacional.
Se o Senado insiste em negociar perdões parciais, que se exponha ao calor do debate público! Que deputados e senadores expliquem aos brasileiros por que dão este passo. Nós estaremos nas ruas, na imprensa e nas redes, exigindo que a justiça alcance tanto os peões quanto os mandantes — e lembrando que democracia se defende com coragem, não com acordos de bastidores.