O Senado deu um recado claro: não vai se prestar ao papel de capacho das bravatas do Centrão. A PEC da Blindagem foi enterrada na Comissão de Constituição e Justiça por unanimidade e arquivada pelo presidente Davi Alcolumbre — para desespero dos barões do PL e dos mesmos que sempre sonham com anistias que os deixem livres e leves. Se havia algum clima de “união harmônica” entre as Casas, já era: era só fachada para acobertar negociações sujas e projetos que protegem corruptos e privilegiados. “O clima de animosidade foi superado”, disseram Davi Alcolumbre e Hugo Motta após a eleição dos presidentes das duas Casas.
Entre promessas e manobras
Logo após a eleição dos presidentes do Congresso, havia quem comemorasse uma trégua entre Rodrigo Pacheco, Arthur Lira e outros figurões. Pois bem: a trégua durou o tempo de um café. No primeiro semestre, pareceu que a colaboração funcionava; no segundo, a Câmara embarcou numa toada de pautas polêmicas e impopulares — e o Senado, com um mínimo de vergonha na cara institucional, começou a manter uma “distância regulamentar”. Resultado? A PEC da Blindagem foi derrotada como devia ser: sem dádivas para blindar corruptos.
Marcando o tom dos próximos capítulos, um encontro que poderia evitar outra derrota da Câmara foi simplesmente cancelado. A reunião, que reuniria Hugo Motta, Davi Alcolumbre, o relator Paulinho da Força e líderes partidários na residência oficial da Câmara, foi abortada. Quem diria: nada une mais o Centrão do que a necessidade de salvar seus próprios rabos — só que o Senado não quis entrar nessa dança.
No front econômico, a batalha também pegou fogo. Enquanto a Câmara enrola para votar o relatório de Arthur Lira que promete isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil — uma medida que pode beneficiar milhões, na superfície popular — a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou projeto semelhante em caráter terminativo, enviando-o direto para a Câmara. Isso joga a pelota no campo de Hugo Motta: qual projeto vai ele pautar? O do aliado Lira, claro. Porque lealdade ao Centrão vale mais que atender a maioria do povo.
A Câmara, novamente, ameaça ficar de costas para a sociedade. E como se não bastasse a divisão com o Senado, há rachaduras dentro da própria Câmara: uma ala quer que o projeto do IR só vá a voto depois de uma tal “redução de penas” para condenados por tentativa de golpe — ou seja, a anistia informal volta à pauta como prioridade de um punhado de deputados. É um escárnio: colocar como pauta principal um benefício para golpistas e comparsas, deixando a urgência social de lado.
O que está em jogo não é apenas uma briga entre Casas. É uma disputa sobre que Brasil queremos: um onde privilégios e proteções para réus — e para os que apoiaram o retrocesso — tenham prioridade; ou um país que responda aos interesses populares, defendendo direitos e combatendo a impunidade. O Centrão tenta salvar a própria pele, e a Câmara pode se tornar cúmplice dessa tentativa vergonhosa.
Se a Câmara optar por priorizar a anistia política em detrimento da isenção do IR, a mensagem será clara: a política nacional continua capturada por interesses privados e anti-populares. Para quem luta contra a direita e suas tramas, a tarefa é vigilância e pressão. Não basta aplaudir o Senado por barrar a Blindagem; é preciso empurrar para frente as medidas que verdadeiramente aliviam a vida do povo e desmontam a estrutura que protege os poderosos.
O momento exige estratégia: fortalecer a coalizão democrática que apoia reformas progressistas, pressionar os senadores e deputadas sensíveis ao clamor popular e derrotar, nas urnas e nas ruas, qualquer tentativa de restaurar privilégios. O jogo é claro — e a direita, como sempre, mostra sua cara. Quem quiser um Brasil justo tem de agir agora, antes que o Centrão transforme o Parlamento numa sala de encaminhamento para os interesses dos ricos e dos golpistas.