A plataforma oficial de hospedagem da COP30 deveria facilitar a participação popular e logística do evento — mas acabou virando a vitrine da ganância imobiliária. Em vez de ajudar quem luta por clima e justiça social, o site exibiu casas por US$ 5 mil a diária e dezenas de anúncios que ultrapassam o teto anunciado pela organização. O que era para ser curadoria virou mercado sem freio: reforma de imagem com cheiro de especulação.
Preços, estadias mínimas e a matemática do absurdo
Dos 857 anúncios disponíveis no site oficial, 121 — ou seja, um em cada sete — tinham preços acima do limite estabelecido de US$ 600 por noite por quarto. O anúncio mais escancarado é o da chamada Dream Maison: US$ 5 mil por dia para uma casa de quatro quartos, aproximadamente US$ 1,3 mil por quarto. Quem governa esse país: servos do capital ou servidores públicos? Se for para fechar acordos com o mercado, que seja para controlar a especulação, não para servi-la.
Em média, o valor por quarto anunciado ficou em US$ 451 por noite, abaixo do teto, mas como muitos anúncios são de imóveis inteiros, o preço médio por anúncio salta para US$ 1,1 mil por dia. E tem mais: a maioria das ofertas exige estadias mínimas muito superiores ao período da conferência. A COP30 acontecerá entre 10 e 21 de novembro (12 dias); contudo, 489 dos 857 anúncios pedem estadias mínimas de 15 dias ou mais. Imagine organizar a vinda de delegações, movimentos e jornalistas sabendo que metade dos imóveis exige permanência além do evento — quem lucra com isso?
O exemplo mais grotesco é um apartamento em Castanheira, em Belém: preço médio por noite de US$ 461 por quarto (dentro do limite), mas estadia mínima de 90 noites. Para alugar só durante a janela exigida, um interessado teria de desembolsar US$ 124 mil — mais de R$ 670 mil! É esse o Brasil que querem para a democracia climática: exclusivo e caro?
“Não sabia que o anúncio da casa estava na plataforma da COP30 por US$ 5 mil a diária, e que havia um teto de US$ 600 por quarto. A publicação foi feita por uma corretora e o valor, definido sem minha anuência.” — Luciana, administradora do Dream Mansion.
A explicação técnica fornecida pela organização da COP30 confirma falhas de integração com imobiliárias: alguns sistemas estão conectados por API e atualizam automaticamente inventários com ofertas que deveriam estar fora da plataforma. “Algumas imobiliárias encaminham seus estoques para a plataforma via uma tabela Excel com o detalhamento do imóvel. Outras, contudo, estão com seus sistemas conectados diretamente (via API) ao sistema da plataforma. Isso significa que cada vez que atualizavam o seu inventário – quase todas têm um inventário de imóveis excedente ao que está publicado na plataforma, justamente porque têm ofertas a preços mais elevados do que está sendo aceito na plataforma oficial – esses imóveis ficavam ativos na plataforma da bnetwork. Já detectamos o erro e estamos trabalhando com as imobiliárias que têm esse sistema de conexão para que façam a filtragem antes da atualização (upload) para a plataforma oficial de hospedagem.” — Organização da COP30.
Não é apenas um “erro técnico”. É reflexo de uma realidade: mercados e plataformas digitais permitem que lucros privados transformem um fórum público — que deveria democratizar a participação na luta climática — num balneário para abastados. Em tempos de ataques constantes às estatais e aos serviços públicos promovidos pela direita, permitir que a própria infraestrutura de um evento internacional seja capturada pelo setor privado é capitulação política.
Se queremos que a COP seja um espaço de debate democrático e de construção de saídas populares para a crise climática, precisamos de medidas claras: fiscalização real dos preços, mecanismos públicos de hospedagem subsidiada para delegações e movimentos populares, e controle sobre integrações automáticas que violam regras básicas. E que fique claro: não é hora de meia solução. O campo progressista — com o PT e com o governo que se apresenta como alternativa — tem a responsabilidade de transformar esse episódio em política concreta, limitando a especulação e garantindo que as ruas, as universidades e os movimentos tenham acesso ao debate.
A COP30 pode e deve ser outra coisa: não uma festa de ricos escondida em mansões, mas uma mobilização de massa pela justiça climática. Se aceitarmos que o mercado dite quem entra e quem fica de fora, perdemos a chance histórica de colocar o tema nas mãos do povo. Quem lucra com a crise climática não merece espaço na casa comum.