Desde que Donald Trump voltou à Casa Branca, seu “tarifaço” se tornou uma arma explícita de coerção política: não é apenas comércio, é geopolítica de força onde os países que ousam afirmar soberania são castigados. Aqui, vamos esmiuçar como Canadá, Panamá, México, Colômbia e Brasil se tornaram alvos desse bullying institucional — e por que a esquerda precisa responder com unidade e coragem, não com capitulações.
Canadá e Panamá
O show de horrores começou com provocações ao Canadá — até sugestão de anexação foi ventilada pelo próprio presidente americano —, o que inflamou o sentimento nacional e catapultou Mark Carney ao governo com discurso de defesa da independência. Não por acaso, Ottawa tratou de reforçar que não aceita ser tratado como quintal. No Panamá, a disputa foi mais direta sobre o Canal: Washington reclamou taxas e, depois de pressão, conseguiu condições privilegiadas de trânsito e presença militar. O presidente panamenho não titubeou em afirmar a gravidade do ataque à soberania. “A soberania e a independência do nosso país não são negociáveis” — José Raúl Mulino, presidente do Panamá. Como bem alerta Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, “É muito mais grave do que qualquer coisa que se possa fazer, uma ameaça inteira ou parcial de anexação de seu território. Se trata não apenas de uma ameaça militar, mas, sim, de uma ameaça existencial” — Oliver Stuenkel, professor da FGV-SP. Isso não é diplomacia: é imposição.
México
O México virou alvo por sua posição sobre migração e narcotráfico. A presidente Claudia Sheinbaum teve de equilibrar firmeza retórica com concessões práticas para evitar um estrangulamento econômico. “O México não está subordinado a ninguém” — Claudia Sheinbaum, presidente do México. Ainda assim, cederam no aumento do efetivo na fronteira e em extradições. Resultado? A soberania declamada na tribuna nem sempre resiste ao cálculo do câmbio e do capital. Quando o poder econômico fala alto, as palavras patrióticas viram cenário.
Colômbia
Gustavo Petro, que já mostrou coragem ao atacar interesses históricos, recebeu ameaças de tarifas de até 50% se não aceitasse voos com deportados dos EUA. Petro reagiu com ironia e contundência: “Eu não aperto a mão de escravizadores brancos” — Gustavo Petro, presidente da Colômbia. Ainda assim, sob pressão, houve recuo tático. Esse padrão é claro: Trump escala, força concessões e depois afrouxa o nó quando já alcançou ganhos estratégicos. Como sintetiza Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela LSE, “Foi assim com todos os países, inclusive com aqueles que ele fechou algum tipo de acordo. Interessante observar que, mesmo no caso daqueles que conseguiram evitar o tarifaço anunciado, as negociações sempre resultaram em uma condição de comércio bilateral pior do que o cenário (e as tarifas) pré-Trump” — Carolina Pavese, LSE.
Brasil
O Brasil entrou tardiamente nesse rol de alvos, mas com exigências ainda mais perigosas: além das tarifas recordes de 50% sobre produtos brasileiros, Washington tentou ditar condições que implicariam interferência no Judiciário — algo inaceitável. Aqui, a narrativa de direita e o bolsonarismo serviram de pretexto para interesses maiores. “A questão de Jair Bolsonaro é cortina de fumaça para interesses bem mais estratégicos e que trazem ganho real para Trump: frear a regulamentação das Big Techs, diminuir o risco de perda de mercado das operadoras de cartão de crédito, abalar a credibilidade de outras potências via BRICS e agora apareceu também a questão de acesso às terras raras” — Carolina Pavese, LSE. O professor Vinicius Rodrigues Vieira chama atenção para outro aspecto: a tentativa americana de recuperar influência no nosso hemisfério frente a governos de esquerda. “São países governados por políticos à esquerda. E a esquerda, historicamente na América Latina, me parece ser muito mais nacionalista, pelo menos anti-imperialista, até com doses de antiamericanismo, do que a direita” — Vinicius Rodrigues Vieira, professor da FGV e FAAP.
O que vemos é um ataque coordenado à autonomia dos povos, camuflado de “protecionismo” e apresentado como ajuste comercial. Não se trata só de tarifas: é de ordem política, econômica e estratégica. A resposta não pode ser entregar a soberania em troca de um alívio temporário. Bolsonaro e seus comparsas alimentam o caos para privatizar tudo e encher os bolsos dos bilionários; Lula e o PT precisam ser empurrados a protagonizar uma frente que defenda estatais, regule Big Techs e recupere autonomia econômica. Máscaras caem: ou construímos uma resistência sólida e democrática contra esse imperialismo escancarado, ou vamos perdendo chão país por país. É hora de articular solidariedade regional e projeto popular de verdade — porque a soberania não se negocia.