A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) volta a ocupar o centro do palco político: é ela que vai julgar a ação penal contra Jair Bolsonaro e sete comparsas acusados de articular a tentativa de golpe que quase destruiu nossa democracia no ano passado. Não se trata de um processo qualquer — é a resposta institucional e jurídica a um projeto autoritário que tentou, com arreganho e impunidade, sepultar a vontade popular expressa nas urnas. Aqui, justiça e memória precisam andar juntas, e a esquerda tem que acompanhar de perto esse julgamento para não permitir que a impunidade volte a sorrir para os barões da direita.
Competência das Turmas
Em 2023 o STF ajustou seu regimento interno e devolveu às turmas — e não só ao plenário — a atribuição para julgar casos penais, desde que os processos tenham chegado depois da mudança. Foi assim que o processo apresentado pela Procuradoria-Geral da República em fevereiro de 2025 acabou na Primeira Turma, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes. O colegiado tem cinco ministros e, quando o relator libera o processo para julgamento, a questão segue para a turma a que ele pertence — salvo se o próprio relator ou maioria da turma entenderem que o caso deve ir ao plenário. Não é espetáculo midiático: é uma peça-chave do Estado de Direito respondendo às manobras golpistas.
Núcleo crucial
A PGR aponta um “núcleo crucial” responsável pela tentativa de ruptura institucional. Estão na denúncia: Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro (ex-presidente), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil). Segundo a Procuradoria, esses eram os que tomavam as decisões e coordenavam ações para impedir a mudança de governo. “Liderou uma organização criminosa que praticou ‘atos lesivos’ contra a ordem democrática e que estava baseada em um ‘projeto autoritário de poder'”, disse o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
No interrogatório em junho, os réus tentaram negar o óbvio: “Negamos qualquer ação golpista ou com objetivo de impedir a posse do presidente Lula”, disseram os réus no interrogatório. Mas negar diante das provas é costume entre os poderosos que acreditam estar acima da lei — como se a democracia fosse concessão e não conquista do povo.
Os cinco crimes
A acusação descreve cinco delitos pelos quais o grupo responde: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; participação em organização criminosa armada; dano qualificado contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado. Traduzindo em linguagem popular: tentativa de derrubar a democracia, organizar violência institucional, e atacar bens públicos com consequências reais para o povo. Não estamos diante de debates acadêmicos: são ações que ameaçaram nossa vida coletiva e o mínimo de cidadania que resta para os trabalhadores.
É fundamental que a esquerda e os movimentos populares mantenham atenção e pressão neste julgamento. A direita golpista quer transformar esse processo em espetáculo para fazer coro aos seus milionários e aos que lucram com privatizações e enfraquecimento do Estado. Não podemos permitir retrocessos: defender as estatais, os direitos sociais e a soberania nacional é também defender a própria democracia. Lula e o PT são hoje não só a alternativa eleitoral, mas a vanguarda necessária para transformar essa derrota da direita em oportunidade para avançar em um projeto popular profundo — mas para isso é preciso derrotar legalmente e politicamente o bolsonarismo.
Se a Primeira Turma fizer seu papel e a Justiça operar com independência, o julgamento será um marco; se permitir recuos, a luta terá de se intensificar nas ruas e nas urnas. A história não perdoa omissões. Quem quiser reconstruir o país terá de romper com o bloco que atacou a República — e isso passa por responsabilizar os que tentaram destruí-la.