A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (17) a urgência para um projeto que, em linguagem macia, promete “pacificação” — e, em termos reais, abre caminho para amenizar penas de quem participou de atos golpistas. A manobra foi um espetáculo previsível: 311 votos a favor, 163 contrários e 7 abstenções. O texto que tramitará de forma acelerada ainda não foi decidido, mas a pressa diz muito sobre a vontade política que move a maioria dos partidos de direita e do Centrão. Quem esperava bom senso, que procurar pacificar a democracia, esqueceu que pacificação para eles significa impunidade para os que atacaram as instituições!
Como foi a votação
A urgência foi aprovada usando um projeto já pronto do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) apenas como “veículo” para a pauta — o que não significa que esse será o texto final, mas demonstra a disposição de colocar o tema em plenário sem o crivo das comissões. Foram 311 a favor e 163 contra; uma cifra que mostra a engenharia de costura política do bloco bolsonarista e do Centrão. O PL de Bolsonaro entregou 85 votos favoráveis, com todos os seus deputados presentes votando sim. Quase todo o Republicanos acompanhou — 40 dos 41 — e o PP marcou 43 votos pela urgência e apenas 6 contrários.
O posicionamento do PT — partido do presidente Lula — foi firme: os 66 deputados presentes votaram contra a urgência. Os partidos de esquerda e de centro-esquerda presentes (PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede) também registraram voto “não” em bloco. Não aceitaremos que impunidade vire política de Estado! O nome cogitado para relator é o do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), cujo trânsito próximo ao Supremo, ao governo e ao Centrão o torna atraente para uma articulação que busque suavizar punições sem, necessariamente, rasgar as sentenças já proferidas.
O texto que circula nos bastidores promete reduzir penas, em vez de perdoar totalmente as condenações — estratégia que visa driblar o constrangimento de anistiar explicitamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, hoje condenado pelo STF a 27 anos e 3 meses por tentativa de golpe. Mas como sempre em Brasília, a ambiguidade é recurso: “Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta lei.” — Marcelo Crivella Tradução? Fachada de legalidade para uma anistia ampla, dependendo de como se escreva o regulamento.
A justificativa decorativa veio pelas mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que disse que o Brasil “precisa de pacificação” e defendeu a discussão. “Não se trata de apagar o passado, mas permitir que o presente seja reconciliado e o futuro construído em bases de diálogo e respeito” — Hugo Motta Como não cair na gargalhada? Diálogo com quem tentou derrubar a Constituição? Respeito por quem conspirou contra o voto popular? Que pacificação é essa que começa por lançar um tapete vermelho para golpistas?
A articulação pela urgência foi feita após a aprovação, na véspera, da chamada PEC da Blindagem, que amplia proteção judicial a parlamentares e dificulta processos contra deputados e senadores. Estamos diante de um pacote claro: blindar quem tem mandato, afrouxar punições para quem atacou a democracia e normalizar o insano.
É hora de ficar atento e mobilizado. A batalha agora será no plenário, nas comissões — quando houver — e, principalmente, na opinião pública e nas ruas. Lula e o PT se posicionaram contra e têm papel central na articulação democrática: cabe à esquerda transformar essa derrota momentânea em impulso para ampliar a defesa das instituições e das estatais. Não podemos permitir que a narrativa de “reconciliação” seja usada como verniz para a restauração de impunidades. Quem lutou para derrubar a ordem democrática não pode voltar à cena livre e livremente! A hora é de resistência, denúncia e organização — porque a democracia não se anistia, se defende.