A cena foi digna de novela de fim de temporada: Valdemar Costa Neto, chefe do PL e operador histórico do Centrão, deu uma declaração explosiva num evento cheio de “alternativas presidenciáveis” — e em poucos minutos virou o epicentro de uma rasteira interna que explicita o que todo mundo já sabia: o Centrão não tem lealdade política, tem objetivos de classe e cálculo eleitoral. Enquanto a direita se estraçalha em cizânias, a tarefa de quem quer derrotar esse bloco mercenário é clara: expor a troca de interesses, impedir a normalização do trauma bolsonarista e avançar numa frente popular que não negocie privatizações nem entrega do país aos bilionários.
O que aconteceu e por que importa
No sábado (13), Valdemar afirmou que “houve um planejamento de golpe” — uma frase como uma bomba num encontro que reuniu governadores e caciques do centrão e da direita, entre eles Ronaldo Caiado, Romeu Zema, Ratinho Júnior, Gilberto Kassab e Ciro Nogueira. A declaração foi imediatamente repartida entre choque e pânico na base bolsonarista: afinal, apontar para um “planejamento” é admitir coordenação e responsabilidade política por atos que abalam a própria legitimidade do bolsonarismo.
A reação foi rápida e furiosa da ala mais radical. Paulo Figueiredo: “Como eu digo: não estamos nesta m*** de dar gosto à toa”. Ricardo Salles: “Não foi por falta de aviso”. Fabio Wajngarten: “Não é possível mais ouvirmos e nos calarmos. Chega.” A pressa em desautorizar Valdemar é compreensível: o Centrão, que sempre viveu da barganha institucional — cargos, contratos, manobras — não quer virar bode expiatório nem perder as rédeas do processo de recomposição da direita para 2026.
Valdemar, como bom estrategista, recuou com seu clássico “se tivesse, imagine que tivesse, vamos supor que…” — e disse em seguida que nunca houve planejamento e que tudo não passou de uma “minuta” conhecida por muitos. Valdemar Costa Neto: “Se tivesse, imagine que tivesse, vamos supor que… Foi no campo do imaginário. E está claro: nunca houve planejamento, muito menos tentativa. O próprio ministro do Supremo, Luiz Fux, confirmou isso”. E pronto: o caso virou mal-entendido, segundo a versão oficial. Conveniente, não?
O que isso revela é simples: o Centrão está disposto a rifar o desastre Bolsonaro quando convém para escolher um candidato mais ‘palatável’ e retomar o controle das negociações com o capital e com o topo do Estado. Não se trata de defesa da Constituição ou de moral pública, mas de governabilidade e preservação de privilégios — exatamente o que alimenta o bolsonarismo e permite que os patrões lucrem.
A movimentação sugere que o bloco quer distância do custo político de um projeto que já perdeu capacidade de se vender para amplos setores sociais e ao mesmo tempo quer garantir que a direita continue a controlar políticas econômicas regressivas. Vai-se Bolsonaro; fica-se a arquitetura do poder conservador intacta. E é aí que entra o papel estratégico do campo popular: não basta derrotar um homem, é preciso desmontar a aliança entre o poder econômico e a política que promove sucateamento, privatizações e ataque aos direitos.
Para nós, militantes e comprometidos com um projeto anticapitalista e de massas, a lição é clara. Não nos iludamos com as encenações do Centrão: quando não serve, ele abandona; quando serve, negocia impunidade. Nossa tarefa é empurrar a luta para além da sucessão eleitoral, fortalecer a frente ampla com o PT e movimentos sociais, ampliar a organização popular e proteger as estatais e políticas públicas que a direita sonha em vender aos amigos bilionários.
Se o Centrão aposta em “palatabilidade”, que fique claro: palatável para quem? Para os rentistas e para o grande empresariado, certamente. Para o povo que perde direitos e sofre cortes, jamais. A disputa real é estrutural — e exige menos teatro de bastidores e mais mobilização de ruas, organização e proposta concreta de transformação. Quem quiser varrer o bolsonarismo do mapa político tem de enfrentar também o Centrão que alimenta suas ruínas.