Circula nas redes e no velho WhatsApp uma peça clássica do manual da desinformação: um vídeo com imagens de movimentação militar acompanhado por uma narração alarmista, afirmando que tropas dos Estados Unidos estariam indo para a América Latina para “combater cartéis de drogas”. É #FAKE. A montagem junta imagens antigas, um áudio retirado de contexto e uma trilha sonora pop para causar pânico e justificar — adivinha? — mais intervenção estrangeira. Contra quem isso serve, hein, patriotas de araque?
Como é a publicação falsa?
O post começou a rodar no WhatsApp logo depois de notícias diplomáticas e militares sobre movimentações dos EUA na região. A legenda é direta e melodramática: “Estados Unidos demonstram força em vídeo de tropas indo a caminho da América Latina combater os cartéis de drogas”. Mas o áudio que acompanha as imagens não fala de cartéis latino-americanos; menciona Irã, Rússia, China, Coreia do Norte, Estado Islâmico e Al-Qaeda — ou seja, uma colcha de retalhos geopolítica para amedrontar qualquer um que leia rápido demais. A montagem ainda mistura a voz com a música “Superhero”, do DJ Metro Boomin, para dar sensação de “blockbuster”.
“Uma máquina poderosa que não será intimidada nem recuará”, — trecho usado no áudio e que na versão original faz parte do discurso do militar americano David G. Bellavia. (David G. Bellavia)
Por que isso é mentira?
A checagem do Fato ou Fake foi técnica: usaram a plataforma Pinpoint para extrair as palavras exatas do áudio e encontraram o discurso original, datado de 27 de junho de 2019, no canal oficial das Forças Armadas dos EUA — sem qualquer menção a tropas indo para a América Latina ou a cartéis. As imagens também traíram a própria narrativa: com a ferramenta InVID, o vídeo foi segmentado em frames e, a partir de buscas reversas (Google Lens, TinEye), verificou-se que trechos dessa filmagem circulam online desde 2017, 2018 e 2023. Ou seja, nada recente, nada sobre cartéis, apenas recortes que alguém juntou para vender medo.
Desmontar essa farsa é simples: a mesma peça reúne material de anos diferentes e um áudio que não tem relação com o alegado. Quem difunde isso está fabricando consentimento para intervenção militar estrangeira — e sabemos para quem isso sempre é bom: para o capital e para as elites que lucram com guerra e ocupação.
Contexto político: a ordem de Trump e as reações
Não se pode ignorar que, no front real, houve notícia do New York Times dizendo que Donald Trump chegou a ordenar que tropas americanas mirassem em grupos no México e na Venezuela, citando organizações como o Tren de Aragua e a MS-13. A operação, segundo a reportagem, poderia contemplar ações em solo, por mar e ataques aéreos — o Brasil, inicialmente, não estaria na lista de alvos. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, tentou esfriar o barril de pólvora: “Fui informada sobre isso e garantimos que não haverá operações militares dos EUA em nosso país.” (Claudia Sheinbaum) Esse recado mostra que governos progressistas na região resistem à ideia de que o Exército estadunidense resolva problemas internos com canhões e aviões.
A lição aqui é dupla: por um lado, existe de fato no tabuleiro geopolítico uma disposição imperialista dos EUA de usar força; por outro, essa peça viral é apenas mais uma tentativa de criminalizar processos sociais e pavimentar caminho para intervenções ilegítimas. Não caiam nessa narrativa montada por especialistas em medo.
Somos contra desinformação e contra intervenções que desrespeitam a soberania dos povos latino-americanos. A luta é por políticas públicas, cooperação regional e fortalecimento das instituições populares — não por show militar nas redes sociais. Se alguém quer discutir segurança, que venha com propostas reais: empregar recursos em saúde, educação, trabalho e uma polícia democrática responsável; não em aventuras imperialistas que sempre saem cara para os trabalhadores. E que fique claro: enquanto a direita golpista e seus sequazes fabricam fakes para empurrar guerra, estamos aqui para expor, mobilizar e resistir.